Alegria, agradecimento e muitas bênçãos. Foi assim que a tribo Pankará, localizada na Aldeia Serrote dos Campos, município de Itacuruba, em Pernambuco, recebeu a obra de abastecimento da comunidade, financiada integralmente pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), na quinta-feira (24 de janeiro). Os índios, em agradecimento, dançaram o toré, ritual que une dança, religião e luta, oportunidade em que bendisseram os representantes do Comitê e alguns dos convidados para o momento festivo.
A Aldeia Serrote dos Campos fica localizada numa área distante apenas cerca de seis quilômetros do Rio São Francisco. Mas, apesar da proximidade, os habitantes da aldeia sofriam com a falta de água para as necessidades básicas. Durante 12 anos, o abastecimento foi feito por caminhões-pipas, em dias alternados e em momentos incertos. A obra, orçada em aproximadamente R$ 4,5 milhões, entre todas as etapas, foi paga com recursos oriundos da cobrança pelo uso da água bruta do São Francisco.
Durante a comemoração, a cacique do povo Pankará, Lucélia Leal, lembrou que buscou o apoio do CBHSF há seis anos na tentativa de resolver o problema da localidade. “Naquela oportunidade, o então secretário do Comitê, e hoje vice-presidente, Maciel Oliveira, se mostrou sensível à nossa causa e não mediu esforços para nos ajudar. Hoje, um sonho que era tão distante se torna real. Posso resumir esse momento em duas palavras: muito obrigada”, relata Lucélia, com a voz embargada pela emoção de abrir a torneira de sua morada e ver a água escorrer pela primeira vez após mais de uma década.
Antes, o abastecimento feito pelos caminhões acontecia apenas duas ou três vezes por mês, o que deixava a comunidade durante muitos dias sem água, como recorda Edson Fernando Leal, que contava com a ajuda de vizinhos que conseguiam armazená-la por mais tempo. A dificuldade interferia na agricultura, como explica o presidente da Associação Indígena, Geraldo Leal. “Agora, poderemos plantar novamente, para manter a nossa agricultura de subsistência”, comemora ele.
A alegria de Geraldo tem motivo. É que a obra financiada pelo Comitê inclui o sistema de captação no lago de Itaparica; uma adutora; a estação de tratamento; e a rede de distribuição, com ramal para a irrigação. “É um sistema completo”, explica o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda. “Essa área precisa ser considerada pela comunidade como sendo sagrada, por ser a fonte da vida, aquela que tem água. Desde o momento em que a água chegou aqui, trouxe, por si só, esse conceito sagrado”, afirmou Miranda. “E nossa intervenção aqui não se resume a esse projeto. Faremos mais. O próximo passo é realizarmos um projeto de irrigação autossustentável”, finalizou Anivaldo Miranda.
“Nós do Comitê apoiamos sempre as iniciativas dos povos indígenas, por serem os melhores defensores da natureza e com a entrega dessa obra, o que nós queremos é que vocês cuidem, preservem. O que nós temos aqui é uma grande riqueza. A dívida que vocês têm, a partir de agora, não é com o Comitê, mas é com o Velho Chico, é com a natureza. Então, preservem porque quando tratamos de água, estamos nos referindo à vida. Nosso corpo é composto, prioritariamente, por água. Nosso cérebro é água. Por isso, vocês têm um patrimônio imensurável à disposição. Parabéns a todos”, concluiu o presidente do CBHSF.
O coordenador da Câmara Consultiva Regional (CCR) do Submédio São Francisco, Julianeli Tolentino, acompanhou a solenidade e destacou o empenho do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco para tornar viável e real o abastecimento humano para a tribo Pankará. “Conheço bastante a realidade dessa comunidade e buscamos oferecer uma melhor qualidade de vida a essa população. Esse foi um projeto que eu fiz questão de tomar para mim, por isso fiz o máximo possível para sensibilizar e convencer todos os membros da nossa CCR, que são grandes responsáveis por essa obra se tornar realidade, assim como a diretoria do Comitê”, enalteceu. “Perguntaram quando essa obra seria possível de acontecer, se dependesse do poder público. Não tenho dúvida em afirmar que nunca”, declarou Julianeli.
O vice-presidente do Comitê, Maciel Oliveira, lembrou que esse foi um projeto iniciado há seis anos, em 2012, quando visitou a área e se sensibilizou com o drama da comunidade. “Tivemos a ousadia de manter esse projeto, por ser diferente daqueles que executamos, de recuperação hidroambiental. Estou emocionado com esse momento, grato a todos os que participaram desse projeto, desde o início e quero parabenizar a comunidade pela capacidade de mobilização”, resumiu Maciel Oliveira.
Veja as fotos da solenidade:
Para o atendimento à comunidade, o abastecimento será feito por um sistema de rodízio de seis moradores da própria aldeia, que não deixarão faltar pessoal humano na operação dos equipamentos. Com uma estrutura moderna, o maquinário é de fácil manuseio e conta com um sistema de vigilância capaz de identificar o horário de trabalho de cada um, bem como apontar a presença de possíveis visitantes indesejados.
O sistema de abastecimento tem capacidade para operar por, no mínimo, as próximas duas décadas e irá atender a comunidade atual, estimada em pouco mais de 400 índios, mas em condições de abastecer com tranquilidade até o dobro desse número de pessoas. O sistema também conta com um ramal para agricultura, que será viabilizado dentro de pouco tempo. “Estamos felizes e nem sabemos como agradecer. Um muito obrigado é muito pouco, mas é o que temos”, concluiu o pajé Pankará, Manoel Calixto.
Participaram da solenidade de entrega da obra, a representante dos povos indígenas junto ao CBHSF, Cícera Pankará; o prefeito de Itacuruba, Bernardo Maniçoba; o prefeito de Águas Belas, município próximo à localidade, Luiz Haroldo; a representante do Ministério da Saúde, Valda Santana, o coordenador da CCR do Médio São Francisco, Ednaldo Campos, membros do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, entre outros.
*Texto: Delane Barros
*Fotos: Delane Barros e Almacks Luiz