Rompimento da barragem de Brumadinho completa quatro anos, Justiça Federal aceita denúncia e Vale e mais 17 viram réus

25/01/2023 - 10:15

Após quatro anos do mais grave desastre humano na história da mineração no Brasil, o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, um novo avanço nas ações legais. A Justiça Federal aceitou, nesta terça-feira (24), a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) e tornou rés as empresas Vale e Tüv Süd e outras 16 pessoas em razão do rompimento.


Todos os 16 acusados são diretores e ex-diretores das duas empresas e passam a responder pelos crimes de homicídio qualificado, multiplicado por 270, uma vez que este foi o número alarmante de vítimas, e crimes contra a fauna, a flora e poluição. As duas empresas responderão por crimes contra fauna, flora e poluição. Na denúncia, o MPF descarta a possibilidade de acordo em virtude da gravidade da situação, que levou à morte de 270 pessoas (das quais 3 seguem desaparecidas) e em “incontáveis danos” à economia e ao meio ambiente em, pelo menos, 500 km da calha do Rio Paraopeba. Há ainda o pedido de pagamento de multa no “valor mínimo dos danos causados”.

O processo sai do âmbito da Justiça estadual de Minas Gerais e passa a tramitar na Justiça Federal. A decisão ocorre em virtude do pedido, realizado em dezembro passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para que o caso fosse transferido para a instância federal, uma vez que a área impactada está sob proteção federal. Após a transferência, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, determinou agilidade por parte da Justiça Federal, uma vez que havia a possibilidade de prescrição dos crimes ambientais na data de hoje, em que se completam quatro anos do rompimento da barragem da Vale.

Após quatro anos, falta de diálogo sobre a recuperação preocupa

A tarde do dia 25 de janeiro de 2019 ficou marcada pelo rompimento de uma barragem da mineradora Vale no município de Brumadinho, a 62,2 km de Belo Horizonte (MG). A avalanche de lama formada por rejeitos de minério de ferro que se formou com a tragédia ambiental matou mais de 272 pessoas, segundo a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos (Avabrum), além de destruir casas e poluir o rio Paraopeba, afluente do São Francisco.

O desastre aconteceu quase quatro anos depois do rompimento de outra barragem da Vale, localizada no município de Mariana, também em Minas Gerais. E passados 4 anos da tragédia de Brumadinho, ninguém até o momento foi responsabilizado.

No acordo entre mineradora e governo de Minas, a empresa se comprometeu a custear as ações de reparação, estimadas em R$ 5 bilhões – o que inclui o córrego Ferro-Carvão, onde a maior parte do rejeito se concentrou e continua vazando para o rio Paraopeba. No entanto, até hoje, não há previsão de conclusão nem de como será feita essa recuperação.

De acordo com a Vale, desde 2019 a dragagem removeu 6 milhões de m³ (60% aproximadamente) dos 9,7 milhões de m³ que vazaram da barragem da Vale em Brumadinho. O volume total era de 11,7 m³. A mineradora garante que destes, pouco mais de 2 milhões de m3 de rejeitos foram parar diretamente no Paraopeba.

Segundo a mineradora Vale, os resultados obtidos no trabalho contínuo de monitoramento da qualidade da água e sedimentos do rio Paraopeba, de modo geral, apontam para uma maior aproximação das condições verificadas antes do rompimento. Os dados convergem com os que estão sendo produzidos com base no monitoramento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).

O período de estiagem de 2022, em especial, foi marcado por teores mais elevados dos principais marcadores (manganês, ferro, alumínio) do que as estiagens anteriores, especialmente no trecho do Paraopeba até o reservatório de Retiro Baixo, inclusive em trecho a montante. Esse comportamento pode ser atribuído ao significativo volume de chuvas ocorrido no período anterior, que repercutiu na qualidade das águas observadas no último período de estiagem.


Veja mais fotos do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG):


Falta de diálogo

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba, Ednard Tolomeu, reclama da falta de participação nas discussões e da falta de foco do governo no comitê, que é constituído por ONGs, municípios, representantes da união e Vale. “É um plenário bem plural e que infelizmente não foi acionado em momento algum para as discussões do pós-tragédia. Há uma preocupação do governo sobre as obras que serão feitas com o dinheiro da Vale, mas não há nenhuma prioridade para a questão ambiental até agora”, apontou.

Para o coordenador da Câmara Consultiva Regional (CCR) Alto São Francisco, instância do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Altino Rodrigues Neto, a falta de diálogo e de envolvimento dos Comitês de Bacia preocupam. “Tanto o Comitê de Bacia do Paraopeba como o do São Francisco possuem o Plano Diretor das Bacias, que podem auxiliar no norteamento das ações de recuperação da bacia. No entanto, nenhuma das duas instâncias foram procurados ou envolvidas no processo de recuperação”, explicou.

Altino Rodrigues reforça ainda que a devastação deixada pela lama tóxica continua fazendo vítimas. “Para além de Brumadinho, as populações a jusante de Retiro de Baixo também sofrem os impactos dessa tragédia que compromete a bacia do São Francisco. Essas populações encontram dificuldades em serem reconhecidas como atingidas e, até o momento não tiveram nenhuma ação de reparação. Além disso, temos observado o aumento significativo na ocorrência de deformações nos peixes no lago de Três Marias, o que precisaria de um monitoramento detalhado e frequente”, finalizou.

O tamanho da devastação

Na Mata Atlântica, o rompimento da barragem provocou a perda de uma área aproximadamente do tamanho de 153 campos de futebol. Mais de 70 hectares de Áreas de Preservação Permanente (APP) também foram atingidos pelos rejeitos de mineração. Os dados são do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Nos mais de 300 km do Rio Paraopeba analisados no ano de 2020 pela SOS Mata Atlântica (desde a região de Córrego do Feijão até o reservatório de Retiro Baixo, em Felixlândia), a água estava imprópria, sem condições de uso. A ONG também verificou que os rejeitos contaminaram até o Rio São Francisco.
Segundo as assessorias técnicas, foram afetadas áreas urbanas de 26 municípios no entorno do Rio Paraopeba, atingindo cerca de 200 mil pessoas.


Avalanche de lama de rejeitos matou 270 pessoas, além de provocar danos irreparáveis ao ecossistema da região


Idas e vindas do processo

Em 2020, 16 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) sob acusação de homicídio doloso duplamente qualificado e crimes ambientais devido ao rompimento da barragem. A lista inclui executivos e funcionários da Vale, como o ex-presidente Fabio Schvartsman, e membros da consultoria alemã Tüv Süd, contratada para analisar a estabilidade da estrutura.

Desde então, o processo vive um embate jurídico sobre a quem cabe a competência de julgar o caso. Membros da defesa de Schvartsman e de um ex-engenheiro da Vale passaram a contestar a competência da Justiça estadual no processo. O argumento é que a tragédia envolveria possíveis danos a sítios arqueológicos e interesses da União.

Após parecer favorável no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o caso seguiu para o STF (Supremo Tribunal Federal), onde a decisão anterior foi revista pelo ministro Edson Fachin. O entendimento foi então alterado novamente em dezembro de 2022, após novo recurso da defesa ser julgado pela Segunda Turma do STF.

Na ocasião, três dos quatro ministros presentes apontaram que a omissão de informações sobre a situação da barragem feriu diretamente o interesse da Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão vinculado à União e que fiscaliza esse tipo de estrutura. Fachin manteve a posição anterior, alegando que o prejuízo seria indireto diante dos outros crimes apurados, mas foi voto vencido.

Desde então, o Ministério Público estadual diz que vai recorrer. O órgão aguarda a análise de um requerimento para levar a discussão ao plenário da Corte, o que traria uma posição definitiva sobre a competência. Ainda à espera dessa definição que pode reverter o caso, o processo avança na Justiça Federal.

No dia 23 de janeiro, o Ministério Público Federal ratificou integralmente a denúncia feita em 2020 e enviou o caso à 2ª Vara Criminal Federal de Belo Horizonte. O objetivo é evitar o risco de prescrição de alguns crimes ambientais com a anulação da denúncia na Justiça estadual. Atualmente, o Código Penal fala em quatro anos para a prescrição ocorrer nos casos de pena menor que dois anos —prazo que, na prática, terminaria no dia 25 de janeiro. Com o aceite da denúncia nesta terça-feira (24), a possibilidade de prescrição deixa de existir e os crimes serão julgados.


Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio
*Fotos: Léo Boi, Leonardo Ramos, Michelle Parron e Robson Oliveira