A Cemig, Companhia Energética de Minas Gerais, pretende construir uma Usina Fotovoltaica Flutuante (UFF) sobre o espelho d’água do lago de Três Marias, apta a gerar 78 MWp (megawatts-pico, unidade que mede a capacidade instalada de painéis fotovoltaicos).
O projeto, que ocuparia 55 hectares e prevê o começo das obras para dezembro de 2024 e o início de operações em janeiro de 2026, tem roubado o sono de moradores, pescadores e empresários do turismo e do comércio.
O assunto foi tema de Audiência Pública na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa, em 30 de outubro, requerida pela deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT).
Uma das principais queixas ouvidas na audiência diz que a população não foi consultada sobre a instalação da usina. Outra, pelo fato de não terem sido exibidos até agora, pela Cemig, estudos de impactos social, econômico e ambiental.
Segundo a empresa, “projetos de geração solar fotovoltaica desta natureza são licenciados via processo de Licenciamento Ambiental Simplificado, cujas diretrizes serão devidamente atendidas”.
Polêmica
A Companhia sob controle do governo estadual listou, em apresentação intitulada “Usinas Solares Flutuantes: nova fronteira para geração de energia sustentável”, inúmeras vantagens do empreendimento, como a disponibilidade de energia com desconto, a geração de energia limpa e renovável e a otimização do uso de infraestrutura, pela integração com a Usina Hidrelétrica de Três Marias, entre outras.
A Cemig afirma que essa é uma tendência mundial, citando exemplos na França, Japão e Holanda, e garante que a implantação da UFF não inviabiliza os múltiplos usos do lago, como a pesca, a recreação, a navegação e o turismo.
Adair Divino da Silva, o Bem Ti Vi, prefeito de Três Marias, cidade com pouco menos de 30 mil habitantes, continua “mantendo a simpatia pelo projeto”, mas alimenta a preocupação de que uma eventual expansão “possa gerar problemas”.
Silva lembra ainda dos eventos climáticos extremos e da chance de secas prolongadas: “Estamos sem chuva nessa época do ano e o lago diminuindo o volume. Temos três turbinas, teve época de não operar nenhuma, por pouca água. Se não tem água, não tem energia”. E teme ser responsabilizado no futuro caso se oponha ao empreendimento: “O prefeito é que não deixou instalar a UFF!”.
Ele avalia que “o bloco de placas não vai acabar com o turismo. Mas, se vier mais um e depois outro, vai impactar e aí eu sou contra”.
A preocupação do prefeito faz sentido. Lá em dezembro de 2021, a Agência Minas, canal de comunicação oficial do governo do estado, já publicava uma intenção mais ambiciosa: “A Cemig pretende construir duas (grifo da redação) usinas solares flutuantes no reservatório da usina hidrelétrica, que terão 78 e 273 MWp de capacidade instalada”.
A Companhia, no entanto, assegura que “O único projeto dessa natureza para a represa de Três Marias é o que já foi anunciado, de uma usina de 78 MWp”, e que “outros projetos inicialmente avaliados para o local foram descontinuados, não fazendo mais parte do portfólio de investimentos”.
Prefeito de Três Marias (MG), Adair Divino, avalia instalação de placas fotovoltaicas no espelho d’água do lago
Transparência
O Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBH São Francisco) contratou estudos de uma consultoria sobre os impactos que podem advir da implantação dos painéis solares no espelho d’água.
“O que temos não permite uma conclusão. Experiências como essa têm ocorrido em várias partes ao redor do mundo, mas cada comunidade é uma, e a comunidade não foi ouvida”, observa Altino Rodrigues Neto, conselheiro do Comitê e coordenador da Câmara Consultiva Regional do Alto São Francisco (CCR Alto).
“A grande dúvida”, acrescenta, “é a falta de transparência, um projeto que veio de forma vertical, e o CBH é um espaço democrático, sempre constrói com participação”. A preocupação com possíveis expansões para outras partes do lago também esquenta a cabeça de Altino: “Isso é uma incógnita”.
Altino falou sobre a posição do CBHSF em relação ao empreendimento
Já o secretário de Meio Ambiente de Três Marias, Roberto Carlos Rodrigues, acha que “a reclamação da comunidade não procede”, e explica: “Tem gente que trabalha com especulação, eu não gosto. Eu trabalho com projeto na mesa. Não chegou nada sobre tomada de decisão nem sobre o projeto. Tem gente criticando sem conhecer, nem nós conhecemos ainda”.
Apesar de a empresa sustentar que “a superfície da água poderá continuar sendo usada para outras atividades (…), uma vez que a área coberta pelo projeto corresponde a 0,05% da área total do reservatório”, não é essa a opinião do empresário de turismo e ex-prefeito do município, Vicente de Paulo Resende. “Se realmente instalarem essas placas, principalmente onde querem, onde tem mais acesso para recreação, banho e navegação e é posto de chegada dos pescadores artesanais, será um caos para o projeto turístico”, alerta.
Resende aponta para o futuro: “70% do PIB daqui vem da metalurgia de zinco, mas as reservas em Vazante e Paracatu estão perto da exaustão, duram no máximo 15 anos. Impactar a possibilidade de transformar o turismo no carro-chefe é decretar a morte da cidade”.
Milton Odair da Cruz, o Biguá, terceira geração de pescadores do grande lago, compartilha da mesma aflição: “Hoje Três Marias está às mil maravilhas, mas esse projeto da Usina Flutuante vai afetar a fauna, a flora, os moradores, pescadores, guias de pesca da região e o turismo local”. ´
Angústia é pouco: “A cidade vai morrer, vai virar cidade-fantasma. Meus colegas de trabalho estão indignados, frustrados, ainda mais do que eu”, lamenta Biguá, que hoje vive como guia turístico conduzindo os visitantes para pescar e navegar no reservatório.
“Fizeram tudo às escondidas”, critica. E completa: “O governo e a Cemig querem enfiar goela abaixo. Só querem destruir a cidade e o ambiente”.
A estatal de energia informa que vem realizando “rodadas de apresentações dos projetos primeiramente junto às prefeituras” e que “já participou de audiências públicas e diversas reuniões solicitadas pelas partes interessadas”.
Está prevista, ainda sem data definida, uma nova audiência desse tipo, promovida mais uma vez pela Assembleia, desta vez em Três Marias, para possibilitar a participação maciça da sociedade local. De acordo com Altino Rodrigues, “o Comitê se fará presente durante este processo e seus eventuais desdobramentos”.
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Paulo Barcala
*Fotos: Arthur de Viveiros; Divisão de Comunicação Social/Prefeitura de Três Marias; Milton Odair da Cruz