Membros da Diretoria Colegiada (DIREC) do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) se reuniram nesta segunda-feira (20) em videoconferência para tratar sobre diversas pautas importantes, e dentre as quais o Pacto das Águas nas instâncias do CBHSF, os reenquadramentos de despesas para os 92,5% – Resolução ANA nº 28 e 29/2020 e a UHE Formoso.
O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, falou sobre o déficit da cobrança pelo uso da água que trará muitos prejuízos ao Comitê e à Agência Peixe Vivo. “O Comitê reconhece que muitas atividades econômicas sofreram impactos durante esta pandemia, mas entende que o impacto não foi da mesma forma para todos. Há os setores que sofreram, entretanto, nenhum levantamento foi feito em relação a isso. O Governo Federal tem mecanismos fortes, eficientes para encontrar outros meios que não seja a suspenção total da cobrança pelo uso da água em 2020 e a transferência para 2021. Em relação às cobranças, isso é bem sério, suspendê-la é considerado renúncia fiscal e é preciso achar uma saída eficaz. Nossa capacidade de investimento vai deixar a desejar enquanto Comitê, mas se a Agência Nacional das Águas aprovar as resoluções nº 28 e 29/2020 permitirá que a Agência Peixe Vivo tenha mais flexibilidade para contratações, por exemplo. É importante deixar claro que é obrigação da ANA suplementar uma verba de custeio. Temos obras e ações encaminhadas e que não podem parar”, disse.
Miranda acrescentou que o Conselho Nacional de Recurso Hídricos (CNRH) criou um Grupo de Trabalho para dar solução à questão das delegatárias e que uma das possibilidades é tirar da conta de investimento e suplementar, mas é preciso de uma sustentação legal para fazer isso. “Não está no poder dos comitês lançar mão dessas prerrogativas, mas sim da ANA, do Ministério de Desenvolvimento Regional, da AGU. Somente com base legal é que se poderá deliberar”.
Com relação ao assunto, a diretora executiva da APV, Célia Fróes, comentou que todos estão se esforçando para minimizar os danos. “Estamos articulando muito fortemente entre as delegatárias. Viramos o ano de forma negativa e fizemos várias simulações, mostramos que a situação iria se agravar, e infelizmente iremos virar este ano com um déficit de R$1,5 milhão. Procuramos fazer alguns cortes, economias para evitar um problema ainda maior. Temos uma reserva e a competência para determinar o uso é do Comitê, porém é preciso que seja feito de forma legal. Iríamos utilizar parte da reserva em ações e projetos, mas devido à pandemia da Covid-19 tivemos que dar um freio.
Fróes deixou bem claro que esse dinheiro é uma segurança, mas todos precisam ser cuidadosos a partir de 2021 e não assumir outros compromissos por conta da inadimplência.
Anivaldo Miranda sugeriu aos coordenadores das Câmaras Técnicas que informassem quais os locais que não paralisaram, pois isso irá sustentar a tese de não se abrir mão da cobrança pelo uso da água bruta. “A questão da gestão da água nunca foi levada a sério. É importante que tenhamos dados sustentáveis para reivindicações”.
Em relação às discussões sobre o Pacto das Águas nas instâncias do CBHSF, foi informado que as Câmaras Técnicas estão discutindo a pauta, como a Câmara Técnica Institucional e Legal (CTIL), Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC) e a Câmara Técnica de Águas Subterrâneas (CTAS). Há um grupo de pesquisadores discutindo o assunto também.
Durante a reunião, foi decidido que a próxima plenária do CBHSF irá acontecer nos dias 03 e 04 de setembro. Segundo informado pela gerente de Integração da APV, Rúbia Mansur, os assuntos serão debatidos durante dois dias, por meio de videoconferência
UHE Formoso
A Diretoria Colegiada do Comitê encara com muita preocupação o ressurgimento do projeto da UHE Formoso, conforme declara Anivaldo Miranda. “Todos consideram que ele vai na contramão do Pacto das Águas que é preciso ser construído na bacia e também vai na contramão da lógica de transformação dos reservatórios da calha do São Francisco em reservatórios de usos múltiplos, e não hegemonicamente para a geração hidrelétrica que, inclusive tem tendência de declínio em função das mudanças climáticas e outros fatores. É preciso buscar o máximo de informações sobre esse projeto. Em segundo lugar, cobrar do poder público transparência no debate dessa questão e, em terceiro lugar, estudar os vários impactos que esse projeto poderá causar efetivamente. É preciso discutir essa questão à luz dos interesses não apenas locais e regionais, mas sim das bacias como um todo, principalmente destacando os impactos negativos que isso terá, sobretudo a jusante desse novo barramento. Deve-se levar em consideração todos os impactos em relação à vida aquática, à situação das populações que serão deslocadas e colocar tudo isso numa balança de custo-benefício que seguramente demonstra que essa obra não é oportuna e nem corresponde aos interesses estratégicos da segurança hídrica que nós desejamos construir na bacia. Então, como encaminhamento, além de um estudo detalhado, de uma avaliação crítica de conteúdo técnico sobre o assunto, o Comitê vai realizar uma série de debates, e nesse sentido faremos uma cooperação com o Fórum Mineiro de CBHs, com os Comitês dos rios afluentes, todos interessados de fato em aprofundar o debate. É necessário, sobretudo, transparência nesse momento e o Comitê irá analisar tudo isso como no caso das outorgas, que de fato precisam de uma requalificação do contexto da bacia, do ponto de vista dos certificados de segurança de obras hídricas e de uma série de outros elementos técnicos-jurídicos que é importante que sejam definidos da maneira mais democrática possível, para que todos os interesses sejam considerados e que isso não se transforme mais em um elefante branco para atender a interesses secundários e não aos interesses estratégicos da população da bacia hidrográfica do rio São Francisco”, explicou.
A promotora de justiça regional ambiental substituta na promotoria de Bom Jesus da Lapa (BA), Luciana Khoury, participou da videoconferência e disse ter recebido uma representação de várias entidades de Minas Gerais que estão articuladas, inclusive a Pastoral da Terra, para questionar os impactos desse empreendimento proposto, a UHE Formoso. “Fiz pesquisas sobre essa temática e verifiquei que, de fato o empreendimento ultrapassa os impactos no estado de Minas Gerais, mas claro que de forma direta ele afeta toda a área potencialmente alagada em Minas e interfere seriamente em todo contexto de regularização de vazões da bacia do São Francisco. Dialoguei hoje com o Comitê colocando preocupações na perspectiva dos impactos que esse empreendimento poderá causar, tanto do ponto de vista da demanda por água e acirramento de conflitos já existentes na bacia, potenciais novos conflitos diante da crise hídrica que vivenciamos, e que inclusive foi necessário reduzir o funcionamento das turbinas das hidrelétricas já instaladas, em especial as duas grandes reguladoras de vazão, como a de Três Marias e Sobradinho, e isso provocou danos severos em toda a bacia como na região da Foz. Um empreendimento que ocorre na bacia, seja em qualquer dos seus pontos, precisa ser avaliado do ponto de vista dos efeitos e dos impactos sinérgicos. Está havendo uma tramitação do licenciamento ambiental no IBAMA, no entanto existe uma proposta de que haja uma cooperação técnica a partir do Instituto de Delegação previsto no artigo 5º da Lei Complementar nº 140/2011, e de uma instrução normativa do IBAMA nº 08 de 2019 que prevê as formas de pactuação deste Termo de Cooperação. Isso me traz uma preocupação muito grande em relação à segurança hídrica. Por isso estamos avaliando esse ponto da delegação e do acordo de cooperação entre Minas Gerais e o IBAMA, no sentido de identificar a legalidade disso. É bom pontuar que, por mais qualificada que seja a equipe de Minas Gerais, sabemos que existe um conflito de interesses”.
Luciana Khoury acrescentou que há outra preocupação em relação à envergadura dessa obra na bacia e que o empreendimento necessita de um Certificado de Avaliação da Sustentabilidade da Obra Hídrica (CERTOH). “É preciso que exista uma análise por parte da ANA do aspecto da segurança de barragens. A existência desse empreendimento não se sustenta do ponto de vista de gestão atual e do planejamento macro feito pelo Comitê e nem em relação à geração de energia. As hidrelétricas não usam todo seu potencial e não tem sentido estabelecer mais um barramento que irá propiciar mais impactos ambientais em toda a região”.
Khoury reforçou que o CBHSF tem que assumir seu protagonismo, já que é o órgão máximo de participação que pode prever as diversas potencialidades de acirramento de conflitos, e deve evitá-los. “O Comitê, nas diversas regiões, é uma referência por sua atuação, envolvendo diversos atores da bacia e pelo compromisso dos seus membros, e achamos fundamental, ao receber o convite do Comitê, participar mostrando as preocupações. Na oportunidade, levei Alexandre Gonçalves, da Comissão Pastoral da Terra, e ele fez suas considerações sobre a pauta da UHE Formoso”.
A representação foi protocolada pela promotora Luciana Khoury no Ministério Público em MG. A Procuradoria da República de Montes Claros (MG) também recebeu o documento e hoje (20) fez o declínio de atribuição entendendo que, por se tratar de um dano regional, deveria ser conduzido pelo Ministério Público da capital, em Belo Horizonte.
Alexandre Gonçalves da Comissão Pastoral da Terra também participou da videoconferência e avaliou a necessidade de discutir essa pauta urgente da UHE Formoso. “Fomos estudar a história da barragem e infelizmente já está sendo licenciada pelo IBAMA. Existe uma manobra entre o governo federal e o governo de Minas Gerais para aprovar essa barragem. O Comitê precisa acelerar como órgão de representação das águas para impedir que ela seja construída”, finalizou.
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Deisy Nascimento