Desde que foi aprovada em 2021, sob fortes protestos, a Lei 14.285, que mudou dispositivos do Código Florestal referentes à proteção de Áreas de Preservação Permanente (APPs) em áreas urbanas de todo o país, pode ser colocada em prática em um dos 505 municípios da bacia do São Francisco. Em Juazeiro, norte da Bahia, um Projeto de Lei enviado à Câmara de Vereadores pelo executivo municipal propõe a delimitação da área de APP no perímetro urbano do município, reduzindo-a de 500 metros para 100 metros.
O Projeto de Lei destaca como objetivo da proposição adequar a proteção ambiental às características locais. “Por isso, as regras de uso do solo no meio ambiente urbano precisam respeitar o histórico da ocupação ocorrida, pois, do contrário, corre-se o risco de afetar a atividade econômica e social, ou mesmo instituir normas de caráter inexequível e desatreladas da realidade”, justifica parte do trecho do documento enviados à Câmara de Vereadores.
A cidade de 144 anos cresceu desrespeitando o leito do Rio São Francisco. Na orla da cidade sobrevive apenas uma pequena faixa de margem do rio. De acordo com a Assessoria de Comunicação do município “o PL busca promover um desenvolvimento ordenado e sustentável da cidade, com diálogo e análise e aprovação do Conselho Municipal de Meio Ambiente. O PL é respaldado pela Lei Federal 14285/2021, que concede autonomia aos municípios para legislar sobre o assunto e visa coibir o crescimento desordenado nas faixas de APP. O empreendimento instalado deve recuperar 100 metros de área de preservação e manter intacta a área de APP do rio dentro da área urbana, lembrando que isso é muito mais do que hoje existe em mata nativa. É preciso frisar que estamos tratando de uma faixa de terra urbana central que já possui há muito tempo intervenções, ou seja, que já é consolidada e que praticamente não existe mais mata ciliar em 500 metros do rio em nenhum trecho do perímetro em questão. Portanto, o que a prefeitura propõe fortalece o meio ambiente, pois estamos pedindo que efetivamente sejam recuperados 100 metros da mata nativa, visto que isso é muito mais do que se tem atualmente no local”, afirmou a assessoria de comunicação.
A gestão municipal ainda acrescenta que a demanda “surgiu da necessidade de recuperar a mata ciliar, que atualmente está muito abaixo dos 100 metros propostos das margens do rio na maior parte do perímetro tratado pelo Projeto de Lei, que se estende da região Quilombola de Barrinha da Conceição até a antiga Fazenda Mariad, e da demanda de regularização dos imóveis e empreendimentos que já existem às margens do rio para coibir o crescimento desordenado nas faixas de APP”.
Com a necessidade de cuidar dos rios e do meio cada vez mais urgente, diversas instituições se manifestaram contra a medida e se organizaram em audiência pública para discutir o projeto. Participaram do encontro, entre outras, o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), Associação de Advogadas e Advogados pela Democracia, Justiça e Cidadania, Coletivo Enxame, Movimento Popular de Cidadania (MPC), União das Associações do Vale do Salitre (UAVS), Câmara de Turismo Sertão do São Francisco, Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), as setoriais de Meio Ambiente e Desenvolvimento e de Combate ao Racismo do PT Juazeiro, Colegiado Territorial Sertão do São Francisco e Articulação Quilombola do Vale do São Francisco, Universidade Federal do Vale do São Francisco, OAB Subseção Juazeiro, além do Comitê da Bacia Hidrográfica do Lago de Sobradinho e membros do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.
A presidenta do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Salitre, Suely Argôlo, questionou a quem interessa a redução das áreas de preservação. “A população de Juazeiro precisa saber sobre o interesse do município em aprovar na Câmara uma Lei que vai reduzir ainda mais o tamanho da Área de Preservação Permanente do Rio São Francisco no trecho do perímetro urbano. Quais interesses estão por trás disso? Quem vai ganhar com isso? Com certeza nosso Velho Chico não vai ser beneficiado e sim mais destruído. Precisamos combater essa irresponsabilidade”.
Para o coordenador da Câmara Consultiva Regional do Submédio São Francisco do CBHSF, Cláudio Ademar, os poderes constituídos precisam priorizar a revitalização do rio São Francisco. “Antes de afrouxar qualquer lei, entendo que os poderes constituídos seja municipal, estadual ou federal, precisam pensar em recuperar e não vejo esse interesse em criar leis para preservar o Rio São Francisco, ao contrário. A gente percebe que o mundo tem olhado para o Brasil de forma atravessada por que o país não cuida do meio ambiente adotando uma forma equivocada nesse sentido. Espero que a sociedade possa contornar essas situações junto com as instituições fiscalizadoras”.
Após a realização da audiência pública, também aconteceu na última sexta-feira (30) reunião extraordinária onde o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Juazeiro – CMMA votou pela manutenção dos 500 metros de Área de Preservação Permanente nas margens do Rio São Francisco. “A votação aconteceu após discussão de contribuições enviadas pela relatora representante da prefeitura, Fádia Nascimento, e pelo sub-relator representante da Univasf, Bruno Cezar. Foram a favor da manutenção dos 500 metros, a Univasf, OAB, Irpaa e Adab. Os representantes da prefeitura se abstiveram. Agora, se a gestão municipal levar o PL à diante, deverá considerar os encaminhamentos dessa reunião”, afirmou em nota a OAB Subseção Juazeiro.
Ainda em 2021, quando sancionada a lei de alteração do Código Florestal, a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (4CCR/MPF) manifestou-se contrária às alterações. O colegiado entendeu que há inconstitucionalidade quando o legislador desloca a competência da União para os municípios e para o Distrito Federal para definir as faixas marginais de qualquer curso d’água perene ou intermitente em áreas urbanas de preservação permanente, em discordância com o Código Florestal, abrindo brecha para que não tenham de seguir o parâmetro mínimo estabelecido no Código Florestal.
O secretário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Almacks Luiz Carneiro da Silva, lembra que é preciso ter muito cuidado quanto a alterações nas áreas de APP. “A lei 12.651/2012 também conhecida como o novo Código Florestal assegura APP de 500 metros para rios que tenham o padrão que o São Francisco tem, isso porque nos períodos de cheia e com as incertezas ambientais há dois anos seguidos a vazão da usina hidrelétrica de Sobradinho foi de 4 mil m³/s quando pode liberar no total 8 mil m³/s, ou seja, quase metade da maior vazão registrada no São Francisco após Sobradinho que foi 17.800.
‘Quer dizer, 500 metros de APP ainda é pouco porque temos lagoas marginais e berçários naturais que precisam ser preservados. Nesse desmonte das leis ambientais, o Governo Federal deliberou aos municípios a prerrogativa de redução das áreas de preservação e municípios que adotem essa medida, vão na contramão, porque em nada beneficia o rio, então a quem beneficia? Se não há mais vegetação nessa área é preciso, então recuperar e não reduzir a APP”, concluiu o Secretário do CBHSF lembrando que a discussão feita pelo Comitê em tornar a água como sujeito de direito se faz ainda mais necessária e fundamental, a exemplo da recente vitória do Rio Laje em Rondônia que, através de lei aprovada pela Câmara de Vereadores de Guajará-Mirim, teve reconhecido seus direitos legais.
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Foto: Juciana Cavalcante