Embora seja uma das fontes de energia limpa, a geração de energia por meio da força dos ventos – eólica – que nos últimos anos têm registrado importantes números na produção energética do país, também enfrenta questões sérias com o meio ambiente.
Não faz muito tempo, a energia eólica no Brasil ainda era um projeto extremamente viável devido às condições específicas do país e de seu grande potencial climático, mas ainda assim um projeto. Em 1992, entrou em operação o primeiro aerogerador instalado no Brasil, localizado no arquipélago de Fernando de Noronha, resultado de uma parceria entre o Centro Brasileiro de Energia Eólica (CBEE) e a Companhia Energética de Pernambuco (CELPE), com financiamento do instituto de pesquisas dinamarquês Folkecenter. Mas foi na última década que o setor cresceu de fato e se consolidou, deixando de ser uma fonte “alternativa” para ter um papel ativo na matriz elétrica brasileira. Depois das hidrelétricas, a energia eólica é, atualmente, a segunda fonte da matriz elétrica, com 10,3% de participação, de acordo com o último infográfico de 11 de fevereiro de 2021, da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica).
Ainda de acordo com a ABEEólica a geração de energia eólica atingiu, em fevereiro, a marca de 18 GW de capacidade instalada, em 695 parques eólicos e mais de 8.300 aerogeradores distribuídos em 12 estados brasileiros. Em 2011, o setor atingia menos de 1 GW de capacidade instalada. Com estes valores, em dias de recorde, a energia eólica já foi responsável por atender até 17% do país durante todo o dia.
Praticamente toda a geração eólica está instalada no Nordeste Brasileiro. Dos 695 parques, 599 estão nos estados do Rio Grande do Norte (182), Bahia (189), Piauí (79), Ceará (84), Pernambuco (34), Maranhão (15), Paraíba (15) e Sergipe (1), somando ao todo 15.521,7 mw, com 7.231 aerogeradores. Os demais parques estão nos estados do Rio Grande do Sul (80), Santa Catarina (14), Rio de Janeiro (1) e Paraná (1), totalizando 2.105,0mw de potência em 1.025 aerogeradores.
Diversas empresa já atuam neste segmento. Uma delas, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) responsável por usinas hidrelétricas instaladas em todas as regiões fisiográficas da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (Alto, Baixo, Médio e Submédio), tem investido em estudos e pesquisas sobre energia eólica desde o início da década de 90. Mas, efetivamente, há 24 anos a Chesf implementou a primeira planta eólica, em Fortaleza, numa parceria com o Governo do Estado do Ceará e a Coelce, a antiga Companhia Energética do Ceará. No entanto os investimentos mais consistentes nessa fonte de energia, só aconteceram a partir de 2010, por meio de parcerias com a iniciativa privada. De acordo com o Diretor de Operações da Chesf, João Henrique de Araújo Franklin Neto, foram mais de 500 MW de capacidade instalada e investimentos de R$ 1 bilhão em 42 parques eólicos localizados em Pernambuco, na Bahia e no Rio Grande do Norte. “A empresa se desfez de alguns desses ativos em 2018, por decisão corporativa. Atualmente, a Chesf possui 14 parques eólicos em operação (Complexo Pindaí, Casa Nova A, Casa Nova II e III, todos na Bahia)”, destacou.
Por trás da “cortina”
Embora tenha números crescentes, por trás de tanto investimento, feito pelas mais diversas empresas, estão comunidades inteiras que de algum modo se sentem atingidas diretamente pelas instalações, principalmente na fase de implantação. No modelo atual, a energia eólica é implantada através de arrendamento de propriedades onde os moradores que têm aerogeradores em sua propriedade recebem mensalmente uma parte, quantia estipulada contratualmente, no faturamento da energia.
De acordo com o promotor regional ambiental de Jacobina, Pablo Almeida, os impactos ambientais da energia eólica são especialmente sentidos no momento da implantação da atividade, o que demandaria cuidados especiais no momento do licenciamento ambiental. “Se fala muito, por exemplo, da energia eólica como energia limpa, e ela é efetivamente mais limpa que outras no momento da geração. Mas no momento da implantação de empresas na região, corta-se muita mata nativa e matam-se muitos animais. Empresas já chegaram a matar, durante o processo de derrubada de vegetação, cerca de 1.000 a 2 mil animais. Além disso, a supressão de vegetação geralmente ocorre em tipos de morros e serras, onde existem muitos remanescentes, Mata Atlântica e áreas historicamente preservadas”, afirmou.
Na Promotoria Regional de Jacobina tramita inquérito civil referente à instalação de um novo parque eólico na Serra do Tombador, que pretende ser o maior projeto eólico do mundo, com 1.069 torres eólicas e potência instalada total de 1.864mw. Para instalação do empreendimento, considerando que,se somando todas as supressões indicadas pela empresa em seus estudos seriam, pelo menos, 6.558.000 m2 de vegetação suprimida. No entanto, a promotoria destaca que a estimativa é bastante tímida, diante da realidade de empreendimentos já instalados na região onde, com pouco mais de 100 aerogeradores já instalados, suprimiram a vegetação de mais de 426 hectares, conforme atesta a Portaria INEMA 12.839 – 2016. O documento ainda destaca que a instalação de 1.069 torres daria uma média de 6.134,4 m2 de área suprimida por torre (estimativa subestimada principalmente em razão da abertura de acessos). Além disso, são contabilizados os impactos na vida animal. Cerca de 1.000 a 2 mil animais já morreram na região de Jacobina, mortes provocadas diretamente pela atividade por parte de somente uma das empresas, conforme descrito no procedimento 702.0.240638/2016, sem previsão de qualquer medida compensatória pelo impacto causado.
Os rios e nascentes também estão nesse processo de violação e degradação. Em Morro do Chapéu e região adjacente, há denúncias de que escavações para instalação de torres eólicas supostamente foram feitas em áreas de nascentes de rios. Outro inquérito civil relata que, na localização apontada por moradores e que recebeu a visita do MP, existiam mananciais cristalinos. “Portanto, a água que surge na área trata-se, provavelmente, de afloramento de lençóis freáticos e mananciais cristalinos, o que demonstra o impacto dos empreendimentos eólicos não apenas em recursos hídricos de superfície, mas também subterrâneos” (trecho retirado da PORTARIA DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO CIVIL – MORRO DO CHAPÉU). Nessa mesma região, também se verifica o impacto nas comunidades tradicionais, posseiros e proprietários originários, com fomento à grilagem de terras, sejam públicas ou particulares. Em Campo Formoso, onde também existem aerogeradores já instalados, o MP verificou a denúncia de ameaça a espécies de aves endêmicas da Caatinga.
“Ou seja, a gente percebe que os impactos são evidentes. Todos sabem que o topo das serras, por Lei, são áreas de preservação permanente e nestes locais estão instalados os aerogeradores, construções gigantes e que precisam dos certificados de anuência. No entanto, na hora da instalação das torres não estão verificando e respeitando as regiões de proteção”, destacou o secretário da Câmara Consultiva Regional do Submédio São Francisco, Almacks Luiz.
Mesmo com redução da demanda por energia que impactou diretamente a realização dos leilões, cancelados em 2020, os investimentos devem atingir a marca de R$ 7 bi por ano. Em 2019, o professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Felipe Melo, um dos autores do artigo “Green versus green? Adverting potential conflicts between Wind Power generation and biodiversity conservation in Brazil” (Verde versus verde? Evitando potenciais conflitos entre geração de energia eólica e conservação da biodiversidade no Brasil) alertou que cerca de 78% de toda a geração eólica do Brasil se concentra na Caatinga e esse valor tende a subir no futuro para mais de 80%.
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Fotos: Manuela Cavadas e Juciana Cavalcante