Representantes das comunidades quilombolas da Bacia do São Francisco se reuniram nos últimos dias 06 e 07, na cidade de Paulo Afonso, Bahia, para o III Seminário das Comunidades Quilombolas, evento realizado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.
O encontro, que lembrou e homenageou a líder quilombola Mãe Bernadete assassinada em agosto no quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, aconteceu no Campus VIII da Universidade do Estado da Bahia e serviu de espaço para discussões sobre os problemas vivenciados pelas comunidades, como o fortalecimento de políticas públicas para essas famílias e apontamentos de mecanismos que viabilizem a melhoria da qualidade de vida.
Com uma população de 1.327.802 pessoas, boa parte das comunidades quilombolas se concentra no Nordeste com 68,19% (ou 905.415 pessoas) do total de quilombolas do país, de acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Bahia tem a maior população quilombola, com mais de 397 mil pessoas que enfrentam problemas diversos que vão desde a falta de delimitação dos seus territórios – dos 1.696 municípios com presença de quilombolas, apenas 326 têm territórios delimitados – até a ausência de políticas públicas, acesso à água tratada, saneamento, entre outros.
Com cerca de 250 famílias, a comunidade quilombola Inhanhum, de Santa Maria da Boa Vista (PE), apesar de estar localizada bem próxima das margens do rio São Francisco, não tem acesso à água potável. “Estamos há 10 minutos do rio e ainda assim lidamos com a falta de água. A água que temos não tem tratamento, o que provoca problemas sérios de saúde. Além disso, também precisamos de educação de qualidade, temos problemas com o lixo a céu aberto, quer dizer temos muitos problemas a serem resolvidos e estamos na luta há muitos anos, mas não conseguimos avançar”, afirmou Geovanice da Silva.
Em Petrolândia (PE), a comunidade Bando do Lago, composta por 103 famílias, enfrenta o problema da falta de demarcação das terras. “Sem a demarcação das terras, somos sempre questionados sobre o uso dela, como se não tivéssemos o direito de estar lá”, afirmou Maria da Paz da Silva, que também pontuou a falta de água tratada nas torneiras. “Embora tenhamos caixas que abastecem a comunidade, estamos lutando para ter água tratada nas nossas torneiras, o que ainda não é a nossa realidade”.
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Espaço para pensar soluções
Identificando e elencando os problemas que se assemelham na grande maioria das comunidades, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco conseguiu reforçar o espaço de diálogo, através do Seminário, das comunidades com órgãos e entidades que podem solucionar e viabilizar ações junto às comunidades quilombolas. “Os recursos do Comitê são poucos quando comparado à quantidade de municípios da bacia, mas estamos fazendo nossa parte e, por isso, buscamos nos unir aos órgãos e instituições de estado para fazer ainda mais. A Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) foi privatizada e R$ 350 milhões por ano deveriam ser destinados à recuperação do rio São Francisco.
Estamos em conversa para que parte desse recurso seja destinado às comunidades tradicionais, principalmente para o abastecimento de água, que é uma das maiores demandas das comunidades que vivem a transposição, mas não tem direito à água. Essa é nossa preocupação, a população ribeirinha está passando sede”, afirmou o presidente do CBHSF, Maciel Oliveira, que ainda lembrou a importância da participação das comunidades nas reuniões do Comitê. “As reuniões do Comitê, das Câmaras Consultivas são públicas e todos podem participar e apresentar seus problemas para que os coordenadores possam fazer articulação local, regional ou nacional, para que as comunidades tenham não só acesso aos recursos do Comitê, mas também possam receber investimentos das mais diversas áreas”.
O coordenador geral de Políticas para Quilombolas do Ministério da Igualdade Racial (MIR) Rozembergue Batista Dias, afirmou que o seminário abriu um espaço importante para que o governo federal esteja ainda mais próximo das comunidades quilombolas. “A participação do Ministério da Igualdade Racial no seminário é de grande importância para conhecimento das demandas das comunidades quilombolas da região. Estamos ouvindo-as e a partir do diálogo com o Comitê, o MIR pode traçar planos conjuntos com as comunidades e o CBHSF para a chegada de políticas públicas”.
Construção coletiva de proposições
Pensando em resultados práticos, o encontro culminou com a elaboração de uma pauta conjunta de proposições que apontam os problemas das comunidades quilombolas da bacia do São Francisco. Acesso à água, saneamento e demarcação das terras foram os pontos mais citados, mas os povos quilombolas também pontuaram a elaboração de políticas públicas específicas, educação e saúde de qualidade, acesso ao crédito rural, proteção e segurança, entre diversas outras demandas urgentes. O documento será encaminhado ao CBHSF e aos respectivos órgãos competentes.
“Foi um momento importante e esperamos que o evento atinja o objetivo. Tivemos a participação do governo federal e diversas instituições que podem intervir nas demandas das comunidades quilombolas a partir das discussões de propostas que envolvem desde a nascente até a foz. Esse documento final contém os nossos encaminhamentos aos setores competentes para viabilizar resultados e construções de políticas públicas”, afirmou Wilson Simonal, membro da Câmara Técnica de Comunidades Tradicionais do CBHSF.
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Juciana Cavalcante
Foto: Marcizo Ventura; Azael Gois