No último de mês de abril, o aparecimento de uma grande mancha escura em um dos trechos das águas do rio São Francisco, entre os estados de Alagoas e Sergipe, mobilizou diversos órgãos ambientais. O analista técnico da Companhia de Saneamento de Alagoas – Casal, Jorge Briseno, explica nesta entrevista as possíveis circunstâncias para o surgimento do que seriam microalgas, bem como revela alguns dos impactos que estão sendo sentidos na região do Baixo São Francisco em decorrência das vazões reduzidas na Usina Hidrelétrica de Xingó.
Uma mancha escura tomou conta das águas do rio São Francisco em 28 quilômetros da sua extensão. Mesmo tendo as causas ainda investigadas pelos órgãos responsáveis, inclusive pela Casal, o senhor destaca quatro possíveis circunstâncias para este aparecimento. Quais são?
A Casal acredita que alguns fatores contribuíram para a proliferação das algas.Uma insolação forte, muito intensa, que, com o sol causticante, influenciou diretamente no aparecimento dessas algas no lago de Xingó. Além disso, o ambiente do lago é lêntico. Ou seja, de pouca dinâmica de movimento das águas. Outra questão é que temos também as restrições das vazões mínimas para 1.100m3/s impostas à Chesf pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) favorecendo ainda mais para o inédito fato. Por último, houve uma recente limpeza da Barragem Belvedere ou Barragem Leste, pertencente ao complexo de Paulo Afonso, de responsabilidade da Chesf. A companhia fez um esvaziamento em um das comportas da represa que, como resultado, arrastou sedimentos de mais de 30 anos para o interior do lago. Mas, como disse, são apenas hipóteses. Precisamos esperar as conclusões dos demais órgãos ambientais para saber, de fato, o que aconteceu.
Por conta do ocorrido, a distribuição de água ficou comprometida em oito cidades de Alagoas, correspondendo a uma população estimada em 105 mil pessoas. Tem previsão para essa situação se resolver?
O abastecimento já está normal. A ONS, por conta da problemática, autorizou a Chesf a realizar pulsos de vazões (aumentar a vazão), que contribuíram para que a mancha se dissipasse parcialmente, melhorando a qualidade da água. No dia 8 de abril, auge da afloração das algas, a qualidade das águas do rio São Francisco na região chegou a marcar 127 UC. O normal é entre 15 e 17. O rio saiu totalmente dos padrões do seu enquadramento, que é de classe 2. Ou seja, de boa qualidade. Agora voltou à normalidade, mas vivemos momentos de muita instabilidade. Quando as descargas das vazões reduzirem novamente, pode ser o que o problema retorne. A Casal pediu ressarcimento à Chesf de aproximadamente R$500 mil pelos prejuízos causados ao abastecimento dos oito municípios.
Como solução para o problema, um dos encaminhamentos da reunião emergencial realizada no último mês em Maceió, envolvendo diversos órgãos ambientais, foi de que aumentasse de imediato a vazão do lago de Xingó para 1.300m3/s em vez da atual medida de 1.000 m3/sna carga leve (durante a madrugada, domingos e feriados). Assim, diluiria o material tóxico que toma conta do rio.Essa seria a única medida a ser considerada ou existem outras?
Em curto prazo, sim. Foi constatado que a alga não é tóxica. Era o que nos preocupava, mas o IMA – Instituto de Meio Ambiente de Alagoas comprovou a inexistência de qualquer agente tóxico. Por isso que solicitamos que a vazão permanecesse em 1.300m3/s até que ela se dissipe de vez.
Em outro momento, a Casal já havia anunciado a impossibilidade de continuar abastecendo as populações da região do sertão com regularidade devido à má qualidade da água bruta do lago de Xingó, resultado da baixa vazão. Podemos afirmar que houve irresponsabilidade por parte do setor elétrico ao querer priorizar apenas a geração de energia e esquecer os demais usos da bacia?
Dizer que houve irresponsabilidade é um pouco forte. Agora, o setor elétrico está no sufoco. Infelizmente, o rio São Francisco, nos últimos dez anos, se voltou apenas para a geração de energia. Isso é preponderante e um total desrespeito em relação à lei de recursos hídricos, que prevê usos múltiplos.
Um dos sinais positivo do aumento de vazão é a melhora da qualidade da água que é distribuída à população ribeirinha. Essa medida regulatória de operação dos reservatórios não se torna preocupante se pensarmos do ponto de vista de que apenas o setor elétrico tem autonomia para mudar esse cenário?
Sem sombra de dúvida. E é por conta desta instabilidade de reduções das vazões que a Casal e o governo de Alagoas estão implantando um novo canal de captação de água a montante do Complexo de Paulo Afonso. Será no chamado Canal do Sertão, onde a dinâmica das águas é maior, e não teremos essa insegurança com as flutuações das vazões, que estão comprometendo a qualidade e o abastecimento de água dos ribeirinhos. Estamos “largando” Xingó tendo em vista o melhoramento deste abastecimento. Isso não ocorrerá do dia para a noite. Estamos prevendo mais um ano e meio para que aconteça essa mudança. Todos os atores serão previamente informados.
Até que ponto a redução da vazão prejudica a região do Baixo São Francisco? Por quê?
Prejudica em todos os sentidos. Entre as cidades de Paulo Afonso (BA) e Piranhas (AL) o rio São Francisco virou um grande lago. A navegação está comprometida pelos inúmeros bancos de areia que tomam conta do leito. A partir de Piranhas, por conta do baixo nível do rio, estamos tendo dificuldade de captar água nas nossas bombas. Elas estão no que chamamos de processo de cavitação. Estão sugando água e ar ao mesmo tempo. Isso está danificando o nosso equipamento que, consequentemente, compromete o abastecimento de municípios alagoanos. Ainda temos o processo de salinização das águas do Baixo São Francisco.
FRASE EM DESTAQUE Infelizmente, o rio São Francisco se voltou apenas para a geração de energia. Isso é um total desrespeito em relação à lei de recursos hídricos, que prevê usos múltiplos.
*Esta entrevista foi veiculada no Jornal Notícias do São Francisco nº 30. Para ler o jornal completo, acesse.