Vivendo há 42 anos no Brasil, em Juazeiro (BA), o austríaco Johann Gnadlinger possui mestrado em pedagogia pela Universidade de Salzburg, Áustria, e em Environmental Management pelo Imperial College, Londres, Inglaterra. Desde 1991, trabalha na ONG Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) que se dedica a aperfeiçoar e divulgar o conceito da convivência com o semiárido. Foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Captação e Manejo de Água de Chuva (ABCMAC) e realizou pesquisas sobre diferentes sistemas de captação de água de chuva e está engajado na promoção destas tecnologias em comunidades rurais no Brasil e no exterior. Johann é membro do CBHSF e compõe a Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos (CTPPP).
Como as populações do semiárido brasileiro convivem com a seca?
As populações tradicionais do semiárido ganhavam a vida coletando madeira, mel, plantas medicinais e frutas silvestres, sem prejudicar a vegetação nativa. Isso começou a mudar com a chegada dos portugueses que para implantar a criação de gado começaram a desmatar a caatinga e plantar capim, que não era resistente à seca. Por isso, chamaram o semiárido de sertão, palavra que originalmente vem de deserto. Até hoje, a caatinga não recebe seu devido valor. Por isso, o IRPAA começou a atuar junto às comunidades locais e aprofundar a convivência com o clima, estimulando a captação de água de chuva em cisternas e barreiros trincheira, a criação de animais de médio porte, valorizando a caatinga para alimentação dos animais, ensinando técnicas de plantio não agressivas ao solo, como curva de nível, o aproveitamento sustentável da caatinga com o beneficiamento de frutas como umbu e maracujá da caatinga.
Faz sentido combater a seca ou seria mais adequado construir políticas públicas voltadas às populações que vivem nessa região?
A caatinga é o bioma que está adaptado ao clima no semiárido. A seca pertence a este clima como a neve ao clima frio da Europa. O que existe é uma falta de conhecimento sobre a realidade climática da nossa região e, em consequência, o que se pode plantar ou criar. A solução é aprender a conviver com o semiárido, aprendendo sobre as tecnologias disponíveis e como produzir de maneira apropriada.
O que tem impedido o desenvolvimento social e econômico do semiárido?
O semiárido foi “desenvolvido” por interesses de fora, começando pelos portugueses e continuando pelos interesses do litoral e do centro econômico do país. Muitos que vivem na região não tem acesso à terra e à água. Para a EMBRAPA Semiárido, uma propriedade de sequeiro no semiárido necessita de pelo menos 100 hectares de terra para ser viável, sendo a atividade principal a criação de caprinos e ovinos e o uso sustentável da caatinga, o que é totalmente diferente do manejo de uma área irrigada com a água do rio. Assim, deve-se garantir às famílias um tamanho de terra adequado às condições de semiaridez. Por isso, precisa-se fazer o reordenamento fundiário para adequação do tamanho da propriedade às condições climáticas do semiárido; quanto menos chuva e água, maior a propriedade.
No que consiste o recaatingamento e de que forma ele pode ser uma solução para os problemas enfrentados no semiárido?
O recaatingamento é uma proposta sobretudo para recuperação de áreas devastadas e é um processo mais complexo, pois inclui amplas medidas educativas e aprofundamento em conhecimentos sobre a natureza. Não se trata simplesmente de cercar uma área e plantar mudas. É todo um processo de recuperar o bioma. Só funciona quando em parceria com comunidades tradicionais e a agricultura familiar. Recaatingar é importante, pois a caatinga é fundamental para garantir a regularidade da temperatura, das chuvas e a fertilidade do solo do semiárido.
Que políticas públicas são necessárias para garantir o desenvolvimento social, econômico e ambiental do semiárido?
Já existem leis estaduais de convivência com o semiárido na Bahia e em Pernambuco e devemos retomar o trabalho por uma Lei Nacional de Convivência com o Semiárido. Temos, no Plano Plurianual da Bacia do Rio São Francisco, o Eixo IV – trabalhar pela Sustentabilidade Hídrica do Semiárido com propostas para o uso de água de chuva, a implantação de energia solar e o planejamento para as mudanças climáticas nas comunidades rurais. Depende da vontade política de implantar estas propostas.
É possível conviver com o semiárido?
Sem dúvida! Uma prova é que na estiagem de 2012 a 2016, quando em vários lugares choveu somente 30% da média, a caatinga se recuperou. Não há registros de mortes por inanição, nem o fenômeno das grandes migrações, nem frentes de emergência e muito menos saques nas cidades do semiárido. Graças a Associação de Entidades do Semiárido (ASA) aprendeu-se com a captação da água de chuva, o manejo da caatinga, a criação de animais resistentes à seca, assim por diante. Mas tem um porém: vemos com grande preocupação a volta das políticas do “combate à seca”, e a eliminação dos programas de convivência com o semiárido.
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto e foto: Luiza Baggio