Revista Chico nº 11: Diversão e arte

17/01/2023 - 10:00

À beira do São Francisco, Ilha do Ferro, em Alagoas, tornou-se polo da cultura popular do Nordeste.
As casinhas coloridas do povoado abrigam ateliês abertos ao público


O ponto de partida é a cidade alagoana de Pão de Açúcar. Percorrendo cerca de 15 quilômetros de estrada de terra ou navegando o São Francisco, chega-se à Ilha do Ferro, povoado que entrou no mapa do turismo nacional como polo da cultura popular do Nordeste brasileiro. Dos cerca de 500 moradores, pelo menos 100 são artesãos. Animais fantásticos, esculturas coloridas, gaiolas inusitadas, bonecas de pano e muitos bordados fazem parte da paisagem local, adornada pela beleza do Velho Chico.

A Ilha do Ferro é uma galeria de arte às margens do São Francisco

A Ilha do Ferro é uma galeria de arte às margens do São Francisco

Até bem pouco tempo desconhecida, a Ilha do Ferro é hoje considerada uma joia rara por apreciadores da arte popular. Abertos ao público, os ateliês ocupam as casas dos moradores. Além de conhecer os trabalhos dos artistas locais, que já ganharam galerias nacionais e internacionais, o turista tem a oportunidade de adentrar a simplicidade acolhedora da vida ribeirinha.

Um dos principais ateliês ocupa a antiga casa de Fernando Rodrigues Souza, o Seu Fernando, falecido em 2009. Nascido em 1928, ele começara a bulir com a madeira ainda criança, na oficina do pai, o sapateiro da ilha que não é ilha. Ao longo da vida, labutou na roça, sem nunca abandonar sua arte. Aos 40 anos, fez a primeira grande peça, uma espreguiçadeira. Daí em diante, passou a expor suas criações em mostras país afora. Agora, os filhos e netos dão continuidade à obra do celebrado ribeirinho.

“O ateliê é o espaço onde mantemos o meu avô vivo”, comentou Matias de Souza, de 34 anos, que, aos 10, aprendeu a esculpir a madeira. Assim como o avô, Matias se inspira na natureza para encontrar suas formas: “Nas minhas andanças pelo mato, encontro troncos caídos, pedaços de pau etc. Muitas das esculturas que faço são exemplos do que vejo na natureza, daí trago as representações para o meu trabalho, buscando beleza sem perder a essência”.

Para o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Maciel Oliveira, a valorização desta cultura local é fundamental para a preservação do Velho Chico. “O povoado Ilha do Ferro tem uma herança incrível deixada pelo Seu Fernando, que nasceu no município de Pão de Açúcar e levou o nome do povoado para o mundo”, comentou.

 

Boa Noite

Com tradição de mais de um século, o bordado Boa Noite é uma das principais atividades econômicas da Ilha do Ferro. A Cooperativa Art-Ilha reúne as bordadeiras. Entre linhas e agulhas, elas vão tecendo peças únicas, que retratam o cotidiano do Velho Chico. Segundo contam, o nome do bordado surgiu para homenagear uma flor da região, a Boa Noite. O trabalho demanda, sobretudo, paciência e delicadeza.

A técnica consiste em desfiar o tecido e recompô-lo em faixas com motivos que podem ser os mais diversos. Na Cooperativa Art-Ilha, por exemplo, as peças criadas com as faixas bordadas são as mais variadas, como almofadas, toalhas de mesa e de lavabo, jogos americanos, guardanapos, colchas, cortinas e marcadores de livros. Um detalhe importante do bordado é que é rigorosamente geométrico e segue a trama dos tecidos.

“Buscamos sempre manter a tradição do Bordado Boa Noite”, comentou Dan Lessa, representante da Cooperativa Art-Ilha, que hoje abriga 14 bordadeiras. “Os produtos são feitos com muito carinho, dedicação e capricho”.

A bordadeira Evânia Sandes gosta de se sentar na porta de casa para tecer. Olhando para o São Francisco, fica mais inspirada. “A tranquilidade do povoado, o ambiente acolhedor, cheio de paz, facilita a produção. Bordar requer atenção, tempo, dedicação para que sua finalização seja perfeita”.

 

Museu de Arte Popular

Além dos ateliês, os visitantes da Ilha do Ferro têm também ao seu dispor o Museu de Arte Popular. Gestado pela Universidade Estadual de Alagoas (UFAL), o espaço é ligado ao Núcleo de Pesquisa em Literatura e Artes Visuais (NUPLAV). Fora idealizado pelo professor Jairo José Campos da Costa.

O Espaço de Memória Artesão Fernando Rodrigues dos Santos está sob a responsabilidade da museóloga Carmen Lúcia Tavares Almeida Dantas e seu objetivo é fomentar o ensino, a pesquisa e a extensão, por meio do recorte ligado à cultura popular alagoana, produzida no Baixo São Francisco, em Alagoas.


Assista ao vídeo da Ilha do Ferro:


Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
Texto: Deisy Nascimento
Fotos: Azael Gois e Edson Oliveira