Demandas e propostas foram discutidas no ano passado, em encontros no município de Paulo Afonso (BA)
Os integrantes da Câmara Técnica de Comunidades Tradicionais (CTCT) entregaram ao presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), José Maciel de Oliveira, e a representantes do governo federal, os relatórios sobre as discussões nos Seminários dos Povos Indígenas e dos Povos Quilombolas da região de influência do Velho Chico, realizados em 2023. Os eventos ocorreram no município de Paulo Afonso (BA), nos meses de setembro e outubro do ano passado, e discutiram demandas e necessidades dos povos originários, como a garantia do acesso a políticas públicas, regularização fundiária, qualidade da água, infraestrutura, direitos humanos e outros temas, a partir dos relatos dos membros das próprias comunidades.
No ato de entrega, o coordenador da CTCT, Uilton Tuxá, destacou que foi a primeira vez que o grupo promoveu um diálogo intersetorial com a participação de órgãos de governo. “Foi um debate que reuniu ministérios, entidades estratégicas, em que a gente consegue sair daquele ciclo de diálogo só entre nós. Agora, trazemos um documento oficial, resultado de uma ampla discussão, com propostas que refletem os anseios concretos de cada localidade. E esperamos que essas discussões possam trazer bons frutos.” Participaram do encontro representantes dos ministérios dos Povos Indígenas (MPI), da Igualdade Racial (MIR), do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), além de órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Uilton Tuxá afirmou que as principais reivindicações dos Povos da Bacia do Velho Chico têm relação com a questão fundiária e a falta de investimentos nas comunidades. “A pauta principal ainda é a questão fundiária, porque muitos de nós vivemos sob insegurança territorial, sem regularização. E também a ausência de investimentos para fazer a gestão territorial e ambiental das áreas em que vivemos, de forma qualificada. No caso dos quilombolas, acrescento, ainda, a dificuldade de reconhecimento da identidade étnica deles. Há uma enorme diversidade de segmentos tradicionais na Bacia, não só quilombolas e indígenas, mas ribeirinhos, extrativistas, pescadores, agricultores familiares. Nós, da Câmara Técnica, buscamos, com essas recomendações ao Comitê, contribuir para as ações na região, levando em conta toda essa realidade, com questões específicas que devem receber um olhar diferenciado”, disse.
Ao receber os relatórios, o presidente do CBHSF declarou que as informações levantadas pela CTCT nos seminários serão importantes para a elaboração e execução de políticas públicas voltadas para as comunidades tradicionais. “É motivo de orgulho sermos o único Comitê de Bacia a ter uma Câmara Técnica de Povos e Comunidades Tradicionais. Agora, queremos abrir diálogo com os ministérios para que possamos avançar com as políticas públicas, executar os projetos e ampliar as ações voltadas a essas populações”, ressaltou José Maciel de Oliveira.
Na reunião, a representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) Sandra Andrade chamou atenção para a importância de se reunir, em uma mesma mesa, representantes dos povos tradicionais e autoridades de diferentes órgãos, para a discussão sobre a situação das comunidades da Bacia do São Francisco. “Essas demandas são reivindicadas por nossos povos há séculos. Por isso é fundamental reunir não só a Diretoria (do CBHSF), como representantes dos ministérios, do governo, para que possam nos ajudar a vencer essas dificuldades.”
Já a cacica Cícera Cabral, do povo Pankará, de Pernambuco, destacou o trabalho de construção e sistematização das demandas dos povos e comunidades tradicionais feito pela CTCT. “Os relatórios foram produzidos com muito trabalho e muito esforço, e conseguimos entregar algo que tivesse a cara dos nossos povos. Nós sabemos como cuidar da nossa terra, nós sabemos como cuidar da nossa água, mas também precisamos de investimentos, para poder oferecer esses recursos com qualidade aos nossos povos.”
Recepção do Governo
A diretora do departamento de Revitalização de Bacia Hidrográficas, Acesso à Água e Uso Múltiplo dos Recursos Hídricos, do Ministério do Meio Ambiente, Iara Bueno Giacomini, falou sobre a importância da replicação da experiência da CTCT em outros Comitês de Bacias do país. “Apresento como sugestão a apresentação desta Câmara Técnica no Encontro Nacional de Comitês de Bacias, previsto para acontecer em agosto, em Foz do Iguaçu, no Paraná, como forma de conscientizar e incentivar outros Comitês a também elegerem suas Câmaras de Povos e Comunidades Tradicionais, explicando como esse espaço surgiu, qual a importância”, disse.
A secretária Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, do Ministério dos Povos Indígenas, Ceiça Pitaguary, afirmou que o MPI está à disposição para apoiar os trabalhos da CTCT. “Nossa Secretaria está aberta ao diálogo e pode apoiar no levantamento sobre a situação dos povos indígenas da Bacia do São Francisco”, sinalizou. A diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai, Lucia Alberta Andrade, ressaltou o papel de articulação dos integrantes da Câmara Técnica. “É importante a iniciativa de trazer os resultados da escuta desses seminários, e chamar os órgãos para apresentar os resultados. Os Povos Indígenas e as Comunidades Tradicionais são os grandes guardiões das nossas florestas, dos nossos biomas e nossos rios”, declarou.
O coordenador-geral de Políticas para Quilombolas, do Ministério da Igualdade Racial, Rozembergue Batista Dias, disse que a regularização fundiária — um dos temas de maior preocupação das comunidades da região do Velho Chico — é uma das prioridades da Pasta. “É um assunto de primeira ordem. Temos trabalhado na elaboração de um Plano Nacional de Regularização Fundiária Quilombola, que está sendo construído em parceria com vários órgãos e está num estágio muito avançado”, declarou.
CTCT
A Câmara Técnica de Comunidades Tradicionais atua na defesa dos interesses dos povos e comunidades tradicionais junto ao CBHSF, por meio da apresentação de demandas, propostas de ações e projetos à Diretoria do Comitê, para execução com recursos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos. A CTCT também funciona como um fórum de integração dos povos tradicionais e comunidades ribeirinhas no âmbito da bacia hidrográfica do São Francisco.
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: João Pedro Netto
*Fotos: João Pedro Netto