O Seminário UHE Formoso, promovido pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), debateu os impactos da construção da Usina Hidrelétrica Formoso, na calha do Rio São Francisco, na região de Pirapora (MG). O evento aconteceu nesta quarta-feira (30 de setembro) e contou com a apresentação de palestras que mostraram que os impactos da construção do empreendimento na bacia do Rio São Francisco serão negativos para a biodiversidade.
O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, afirmou que o objetivo do seminário é ampliar o debate. “A ideia é usar o princípio da transparência e envolver no debate todas as pessoas que serão diretamente impactadas pela construção de uma nova usina hidrelétrica na bacia do Rio São Francisco. É inadmissível que uma interferência dessa magnitude continue sendo levada em frente sem o envolvimento do Comitê que é a instituição responsável pela elaboração do Plano de Recursos Hídricos da bacia. A vazão do São Francisco deve, cada vez mais, levar em consideração os usos múltiplos, e o projeto da UHE Formoso atende ao contrário. Os impactos de um empreendimento deste tipo transcendem a bacia. O São Francisco é responsável pelo abastecimento de 70% do nordeste brasileiro e devemos estar atentos a segurança hídrica de sua bacia com ações para a revitalização. A morte de um rio se dá aos poucos e não podemos permitir que isso ocorra com o Velho Chico”.
Anivaldo Miranda, presidente do CBHSF
A UHE Formoso
O gerente de Desenvolvimento da Quebec Engenharia, Leôncio Vieira, apresentou o projeto da UHE Formoso e o seu status. A empresa é responsável pela elaboração e execução do projeto.
A UHE Formoso integra o Programa de Parcerias de Investimento (PPI), que potencializa o processo de privatização no Brasil. Terá capacidade de 306 MW de potência com três turbinas e beneficiará 1,5 milhão de pessoas. A área do reservatório da barragem será de 312 km2, o que equivale a 31 mil e 200 campos de futebol.
Confira a apresentação:
“A usina terá um reservatório com capacidade para 1,31 bilhão de metros cúbicos de água. Com isso, a capacidade de regularização do rio no trecho será ampliada em 20 m3/s. O projeto prevê que a UHE Formoso tenha seu remanso junto ao canal de fuga de Três Marias e o eixo do barramento/casa de força a cerca de 12 km a montante de Pirapora”, disse o representante da Quebec Engenharia.
Leôncio Vieira apresentou o status do projeto. “Várias etapas do projeto de engenharia já foram concluídas, incluindo a topografia, locação dos eixos, implantação de marcos estando, medições de vazão e descargas sólidas. Emitimos o Termo de Referência para os órgãos ambientais que são as diretrizes para emissão do EIA/Rima. Recebemos no mês de junho deste ano a Autorização para Captura, Coleta e Transporte de Material Biológico [ABIO] e em seguida demos início às campanhas de campo no período de seca e cheia e de comunicação social. A previsão é obter a Licença Prévia em outubro de 2022 para realizarmos o leilão que definirá a concessionaria”.
Leôncio Vieira informou ainda que as obras da UHE Formoso só serão iniciadas após a finalização do processo de licenciamento e definição da concessionária operadora e que o projeto ainda passará por audiência públicas.
Gerente de Desenvolvimento da Quebec Engenharia, Leôncio Vieira
Impactos da UHE Formoso na biodiversidade
A pesquisadora pós-doutora da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Ruanny Casarim, apresentou os impactos e prejuízos que a possível implantação da UHE Formoso causará à ictiofauna e ao ecossistema do Velho Chico. Ela explicou que as barragens e os reservatórios provocam mudança em um grande número de fatores de caráter biológico e físico seja na sua implantação, operação ou desativação. “A construção de um barramento pode gerar impactos com consequências insustentáveis, como a diminuição da biodiversidade”, disse.
A bacia do São Francisco tem hoje 211 espécies de peixes reconhecidas, sendo 135 endêmicas (que só são encontradas na bacia do São Francisco). “Peixes como o Matrinxã, Dourado, Curimba, Pirá, Hypostomus e Surubim são importantes para a pesca, além de serem nativos da região onde o barramento será construído. Pode haver o desaparecimento ou redução drástica de espécies de peixes nativas e a introdução de espécies exóticas (predadoras) como as Tilápias. A área onde o projeto está sendo desenvolvido vai diminuir a região de vida de peixes ameaçados de extinção, como o Pirá, e de espécies quase ameaçadas de extinção, como o Surubim e o Dourado que tem valor para a pesca. Essas espécies poderão ser extintas não só dessa região como de toda a bacia do São Francisco”.
Ruanny Casarim finalizou esclarecendo que a instalação da UHE vai gerar impactos como o bloqueio da passagem de peixes, o controle da vazão do São Francisco, prejudicando a fauna aquática, o que vai alterar as lagoas marginais (importante para a reprodução dos peixes).
Pesquisadora pós-doutora da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Ruanny Casarim
Em seguida, Cláudio Rodrigues Fabi, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) abordou o impacto da construção da usina nas espécies ameaçadas de extinção na bacia do São Francisco. O palestrante apresentou o Plano de Ação Nacional para Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção da Fauna Aquática da Bacia do Rio São Francisco (PAN São Francisco) que tem como objetivo geral aprimorar o conhecimento sobre as espécies ameaçadas e mitigar as atividades impactantes, promovendo a conservação e a recuperação da fauna aquática da bacia do Rio São Francisco, em cinco anos.
“O PAN São Francisco abrange oito espécies de peixes ameaçados de extinção segundo as categorias criticamente em perigo, em perigo vulnerável: Mandi-bagre; Pirapitinga; Pirá; Lambari; Pacamão; Cascudo do mutuca; Barrigudinho e Cambeva. Além disso, estabelece estratégias para proteção de outras seis espécies de peixes consideradas beneficiadas, por estarem em risco e/ou quase ameaçadas segundo a categoria quase ameaçada, sendo elas: Piabinha; Pintado; Bagre; Cascudo preto, Dourado e Plesioptopomacurvidens (Reis Pereira & Lehmann A., 2012)”, esclareceu.
Cláudio mostrou que ao alterar os regimes de cheia, a qualidade dos sedimentos do rio e o regime de vazão ameaçamos as espécies que são encontradas ali. “Portanto, afirmo que a construção da UHE Formoso no São Francisco vai ameaçar espécies que já estão em extinção e outras que estão quase extintas”, finalizou.
Confira a apresentação do ICMBio:
Finalizando as palestras, o professor Luís César, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), mostrou que os impactos na bacia do São Francisco serão sentidos muito além da região onde a UHE Formoso será construída.
“A bacia do São Francisco é doadora de águas para os estados envolvidos na transposição. Espécies não nativas têm crescido consideravelmente nas bacias receptoras. Sendo assim, os impactos na biodiversidade serão sentidos tanto na bacia do São Francisco, como nas bacias receptoras de suas águas pela transposição”, esclareceu.
A professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e membro do CBHSF, Yvonilde Medeiros, mediou as palestras e afirmou que a variabilidade das águas, a sazonalidade, bem como a ocasião e frequência com que as cheias acontecem é muito mais importante para biodiversidade da bacia do que a quantidade de água. “A quantidade de água importa para nós humanos que somos consumidores de água e não para a biodiversidade”.
O Seminário UHE Formoso terá mais duas edições para discutir outras questões referentes à construção do empreendimento.
Assista ao seminário pelo canal do CBHSF no Youtube:
Assessoria de Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Luiza Baggio