Confira a entrevista concedida por Aliny Pires, coordenadora do Relatório Temático “Água: biodiversidade, serviços ecossistêmicos e bem-estar humano no Brasil” para o OGA

20/08/2019 - 14:32

Entrevista concedida por Aliny P. F. Pires com exclusividade para o Observatório da Governança das Águas.


Aliny P. F. Pires (AP) é Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisadora associada à Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), à Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e à Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e líder do estudo “Água: biodiversidade, serviços ecossistêmicos e bem-estar humano no Brasil”.

1) Qual é a grande novidade (o ineditismo) do Relatório?
AP – O relatório é o primeiro que integra as diferentes dimensões da água, para além dos recursos hídricos do país, mas como fonte de biodiversidade e patrimônio cultural brasileiro. Ambientes aquáticos abrigam uma biodiversidade imensa, com muitas espécies endêmicas e/ou em estado crítico de conservação. Além disso, diversas populações tradicionais e comunidades indígenas possuem modo de vida diretamente atrelado aos ambientes aquáticos. Assim, o relatório chama a atenção da importância da conservação das águas brasileiras, considerando estes diferentes aspectos, como passo primordial para garantir a habilidade competitiva do país em um cenário global.

2) Quais são os principais desafios para a manutenção da quantidade e qualidade das águas no Brasil?
AP – A realidade da questão hídrica no país é extremamente heterogênea e, portanto, a resposta desta pergunta depende da localidade de análise. A região Norte para o país, possui grande abundância deste recurso, ao mesmo tempo que aquela que apresenta os maiores índices de perda na distribuição. Na região Nordeste, a questão além dos baixos índices pluviométricos, a baixa qualidade da água coloca a região em uma situação crítica de segurança hídrica. Nas grandes metrópoles do Sudeste, a qualidade da água e condição sanitária dos ambientes aquáticos é o ponto crítico que afeta o abastecimento e o bem-estar da população. Assim, os principais desafios são (i) incorporar a heterogeneidade de soluções demandadas em um país de escala continental como é o Brasil; (ii) garantir a efetividade dos mecanismos de fiscalização e governança existentes e (iii) assegurar a tomada de decisão com base em conhecimento técnico-científico.

3) Quais as bacias hidrográficas que estão mais ameaçadas?
AP – Cerca de 40% do território nacional apresenta níveis de ameaça a biodiversidade de moderado à elevado. E quase todas as bacias, se não estão sob condições críticas atualmente, são previstas grandes modificações no futuro. Desta maneira, uma atenção deve ser dada a todo o país, mas destaco a bacia do São Francisco e a porção costeira de todas as demais bacias, onde se concentra a maior parte da população.

4) As populações das regiões metropolitanas estão correndo risco de novos eventos de escassez hídrica?
AP – Certamente, as mudanças climáticas serão um agravante da escassez hídrica que muitas cidades já vivenciam. Da mesma forma, em contradição, também sofrerão com grandes inundações em um futuro próximo. Daí a importância do PNSH como um instrumento importante para investimento em infraestrutura necessária, mas precisa incorporar soluções baseadas na natureza e ajustar a dimensão ecossistêmica do ISH.

5) Como o estudo se conecta com a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos? Como se conecta aos Comitês de Bacias Hidrográficas?
AP – A PNRH é instrumento fundamental e o estudo chama a atenção da importância destes marcos legais como componente chave para o desenvolvimento social, econômico e ambiental do país. E a atuação integrada e eficiente do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos é crítica para que os mecanismos legais vigentes sejam implementados e aprimorados. Dentro desta perspectiva os Comitês de Bacias têm papel mais que importante, fundamental por viabilizar a participação da sociedade civil e atuar nas decisões e demanda que são apresentadas.

6 – Como vê a atuação dos Órgãos gestores e dos Comitês de Bacias Hidrográficas? Eles são suficientes para enfrentar os principais desafios apresentados pelo Estudo?
AP – A água é um tema transversal. Nenhuma entidade sozinha, seja os órgãos gestores, seja os comitês de bacia terá força suficiente para garantir uma solução de médio-longo prazo. Acredito ainda que nem a interação efetiva entre os setores relacionados a água resolverá a questão. A discussão deve ser interdisciplinar, multisetorial e considerar o papel dos diferentes componentes relacionados ao tema, considerando o papel essencial que a água tem para o desenvolvimento do país.

7 – Até o ano passado o SINGREH estava no Ministério do Meio Ambiente (MMA), no atual governo o SINGREH migra para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), como analisa esta mudança?
AP – Ela vai contra a lógica da proposta deste relatório e contra toda a discussão que tem sido levantada para o tema, nos principais documentos sobre a água e inclusive no que foi discutido no último Fórum Mundial da Água, por ir na direção de desacoplar a questão dos recursos hídricos da questão ambiental, enquanto um esforço de integração era o esperado. Colocar o SINGREH no MDR é ressaltar o caminho de investimento em infraestrutura convencional, que será importante em várias situações, mas diminui o peso de soluções baseadas na natureza, da biodiversidade única que os corpos hídricos do país possuem e do patrimônio cultural que representa. Junto ao MMA, este seria um caminho natural para identificar as soluções necessárias para o tema.

8) No Infográfico “Caminho das Águas” apresentado no Estudo, fala em Fortalecimento das Instituições de Gestão das Águas, na avaliação de vocês, por onde passa este “fortalecimento”?
AP – A mobilização popular, a difusão do conhecimento e o apoio técnico da academia, do corpo técnico das próprias instituições e de outras entidades relacionadas ao tema, como o Observatório das Águas, que integra e representa diferentes setores são elementos críticos para que a função de origem das instituições de gestão e suas competências técnicas sejam valorizadas e consequentemente fortalecidas. A difusão da informação que revela a importância e missão destas instituições é o caminho mais seguro para este fortalecimento.

9) Em um balanço final, quais são as medidas urgentes e necessárias para enfrentar os desafios apresentados pelo estudo?? A solução passa pelo Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos? Ou passados 22 anos de Política Nacional de Recursos Hídricos, a política precisa de algum aperfeiçoamento?
AP – A integração dos diferentes aspectos relacionados a água para sua gestão, o aperfeiçoamento da avaliação da segurança hídrica que negligencia as diferentes ameaças a biodiversidade, o fortalecimento das instituições de gestão e fiscalização, a implementação de medidas de precaução e o engajamento dos múltiplos setores usuários são fundamentais para enfrentar os desafios. Neste sentido o SINGREH é instrumento chave por identificar os diferentes atores, bem como viabilizar a interação entre eles, em especial através da participação ativa da sociedade civil. Para isso, a PNRH precisa ser aperfeiçoada no sentido de garantir que seus instrumentos sejam implementados e que as soluções que foram sendo levantadas ao longo destes últimos 20 anos, como as soluções baseadas na natureza, sejam incorporadas explicitamente a lei.

Comentários Livres – As informações do documento podem ser acessadas no site da BPBES e em caso de qualquer dúvida, estou à disposição através do email alinypfpires@gmail.com. O Sumário para Tomadores de Decisão está anexo nesta entrevista.

https://www.bpbes.net.br/produto/agua/
Pequeno Glossário:
PNSH – Plano Nacional de Segurança Hídrica
ISH – Índice de Segurança Hídrica
SINGREH – Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
PNRH – Política Nacional de Recursos Hídricos

 

 

*Fonte: Observatório da Governança das Águas