Julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5783 (ADI 5783) foi remarcado para o dia 25 de maio pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
Com o sentimento amargo de frustração, representantes de comunidades de fundo e fecho de pasto retornaram para a Bahia, de Brasília (DF), onde aguardavam o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5783 (ADI 5783) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se do marco temporal, previsto em legislação estadual, de reconhecimento das comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto da Bahia.
A Lei n.º 12.910 de 2013, no § 2° do Artigo 3°, determinou que as comunidades teriam até 2018 para solicitarem o reconhecimento de seus territórios tradicionais e, após essa data, o direito expiraria. Desde então, sem a garantia do direito à terra na qual vivem, as comunidades buscam demonstrar a inconstitucionalidade da lei com uma ação proposta pela Procuradoria Geral da República (PGR). O argumento baseia-se no fato de que, ao estabelecer um prazo para que as comunidades solicitem as certidões de auto reconhecimento e de regularização fundiária, a lei se torna inconstitucional. O pleito é para que esse prazo seja revogado.
O assunto, que tem como relatora a ministra Rosa Weber, estava na pauta do último dia 17, mas foi retirado dos temas do dia e não há uma nova previsão de quando deve retornar ao debate no plenário do STF. Para Valdivino Rodrigues, da comunidade Lages das Aroeiras, no Município de Uauá (BA), e integrante da Articulação Estadual de Fundo e Fecho de Pasto, o marco temporal é um absurdo e infringe os direitos das comunidades tradicionais. “Entendemos o marco temporal como absurdo e imoral, porque não é o Estado que tem a prerrogativa de impor um prazo para que as comunidades tradicionais existam. O prazo determinado pela Lei estadual é 31 de dezembro de 2018, para que as comunidades que se auto definirem como tais, solicitem do Estado através da SEPROMI (Secretaria de Promoção da Igualdade Racial), a Certidão de Auto Reconhecimento e a Regularização Fundiária dos territórios tradicionalmente ocupados por estas comunidades. Esse recorte temporal fere o nosso direito de existir”.
Ele lembra que após a sanção da lei, houve diversos problemas. “Houve um grande mutirão para identificar, sensibilizar e encaminhar para a Secretaria de Igualdade Racial centenas de processos para reconhecimento de comunidades, até final de 2018, e muitos desses estão parados ou estão sendo devolvidos da Casa Civil para a SEPROMI. Isso vem ocorrendo depois que o último governo da Bahia instituiu um decreto, em 07 de março de 2017, para que todos os processos passem pela Casa Civil, para que tenha a autorização do próprio governador e depois a certidão seja emitida pela Secretaria responsável. O que está sendo julgado pela Suprema Corte é o direito de existirmos enquanto comunidades tradicionais. Preservando nosso jeito de ser, de viver e de fazer”.
A Associação dos Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR), afirma que os impactos dessa lei já são concretos. “A demora do Estado em agir conforme as diretrizes constitucionais tem resultado nas piores consequências para as famílias do campo baiano – violência, ilegalidades, insegurança jurídica e alimentar. É necessário reconhecer que no incontroverso e dramático contexto social, econômico e cultural apontado, quando o procedimento administrativo de reconhecimento dos direitos territoriais não chega ao final, ou pior, sequer se inicia, as comunidades se veem coagidas diante da possível perda dos meios para sua sobrevivência física e cultural, assim como da própria liberdade de locomoção no território, de associação, reunião e reprodução da subsistência. Defendemos que o marco temporal se trata de uma violação grave ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois constitui ato de extrema violência institucional submeter o direito à própria existência dessas comunidades a qualquer obrigação que não seja a do Estado em reconhecer a sua identidade e outorgar o domínio sobre seus territórios. Assim, não podemos esquecer que o reconhecimento dado pela Constituição Federal de um estado pluriétnico e multicultural, cuja legislação relativa a povos e comunidades tradicionais estabelece a auto atribuição enquanto direito fundamental e os direitos territoriais dela decorrentes enquanto imprescritíveis”.
Da comunidade de Aparecida do Oeste, fecho de pasto de Tarto, em Correntina (BA), Aliene Barbosa Silva pontua que o auto reconhecimento das comunidades pelo Estado é uma forma de considerar a existência dos povos tradicionais. “O auto reconhecimento do Estado da Bahia para com as comunidades é muito importante, é um passo dado do Estado dizendo para essas comunidades que elas existem, sendo mais uma ferramenta que a gente pode ter em mãos para o combate à grilagem e para utilizar nas ações judiciais que enfrentamos, principalmente nos últimos anos. Para quem não tem o certificado de auto reconhecimento os prejuízos são imensos, principalmente devido às invasões, os conflitos se acirram, além dos modos de vida que são afetados. E ainda assim, a gente sabe que quem tem o certificado de auto reconhecimento não está livre da grilagem, de pistoleiros, da violência, mas é uma ferramenta importante de luta”.
Em defesa das comunidades tradicionais
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco tem como uma de suas premissas a defesa das comunidades tradicionais e formas de valorizá-las. Com ações voltadas a esses povos que garantem, desde sempre, a preservação do meio ambiente porque entendem como ninguém que dele precisa para continuar existindo, o CBHSF desenvolve há anos obras de fortalecimento.
O presidente do CBHSF destaca a importância do reconhecimento das comunidades tradicionais. “Esse assunto é extremamente importante para nós do Comitê da Bacia do Rio São Francisco que apoiamos e defendemos os povos e comunidades tradicionais como os povos que defendem as nossas águas, nossa bacia, nossa tradicionalidade. São povos que existem e são reconhecidos no Estado da Bahia, tanto na região do médio e submédio São Francisco, e nós precisamos que o STF tenha esse entendimento, derrubando esse ponto da lei para que se consiga dar a real importância para as comunidades, que ainda são muito desconhecidas no país. Este ano, especificamente, o Comitê da Bacia do Rio São Francisco está fazendo a campanha Eu Viro Carranca para Defender o Velho Chico com olhar especial aos povos e comunidades tradicionais e estamos juntos nessa luta sempre”, afirmou.
Para a promotora de justiça do Ministério Público da Bahia, Luciana Khoury, o entendimento é de que a lei estadual fere os direitos das comunidades tradicionais e destaca que a Constituição Federal não delimita formas de reconhecê-las. “As comunidades de fundo e fecho são reconhecidas na Constituição Federal. São comunidades que vivem de forma coletiva e até o sustento é feito coletivamente através da criação de animais, casando com atividades de agricultura familiar, entre outras atividades e para elas vigora o princípio do auto reconhecimento, então, na verdade não existe um órgão reconhecer a comunidade porque é a comunidade que se auto reconhece como comunidade tradicional. Na Constituição Federal estava previsto isso, no entanto, a Bahia propôs regulamentar as comunidades, mas, esse reconhecimento não tem que ter prazo, a constituição não estabelece prazo para auto reconhecimento. Temos uma situação absolutamente indevida onde muitas comunidades nem sabiam que existe esse direito ao território dela pelo fato de ser comunidade tradicional e outros direitos decorrentes disso. Elas, às vezes, não têm informação, nem sabem que precisam procurar esse caminho, até porque a forma de regularização do território na Bahia ainda é extremamente incipiente, ainda está começando todo processo, inclusive discutindo a forma de fazer a garantia desse território. Então, a decisão do Supremo para alegar e decidir pela inconstitucionalidade desse marco, desse limite temporal estabelecido na lei estadual, é fundamental”, pontuou a promotora de justiça.
Dados da Campanha Cerrado apontam que, desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, cerca de 130 comunidades tiveram títulos emitidos pelo Estado da Bahia em um universo de aproximadamente 1500 comunidades de fundo e fecho de pasto existentes no Estado e 192 comunidades estão com seus processos de certificação paralisados.
Em nota, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) apoia as comunidades tradicionais e lembra que o direito à autodeterminação dos povos originários e de populações tradicionais, sem qualquer limite temporal, é garantido pela Convenção nº 169 da Organização do Internacional do Trabalho (OIT) e se coaduna com a obrigação constitucional do Estado Brasileiro (arts. 215, §1o, e 216 da Constituição). “Visa garantir e proteger a diversidade dos modos de vida, de fazer e de criar dos povos e comunidades tradicionais. Ele está assegurado também por meio do Decreto no 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. ”
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante