Comitê cobra os prejuízos da redução de vazões no rio São Francisco

02/05/2013 - 12:00

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF, Anivaldo Miranda, cobrou nesta semana a definição de responsabilidades quanto aos ressarcimentos dos danos que vierem a ser causados nos próximos meses aos usuários do rio – pessoas físicas, jurídicas, além do meio ambiente – como decorrência da decisão do governo federal de reduzir as vazões defluentes do São Francisco abaixo do mínimo permitido, a jusante das usinas hidrelétricas de Sobradinho e Xingó.
A medida, solicitada pela empresa concessionária das usinas, a Companhia Hidroelétrica do Rio São Francisco – Chesf, com base em análise técnica do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS e autorizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama e pela Agência Nacional de Águas – ANA foi justificada pela necessidade de preservar o nível mínimo de armazenamento de água nos reservatórios, para atender à demanda de produção de energia hidroelétrica – um dentre os múltiplos usos do rio.
A cobrança do CBHSF aconteceu na noite desta terça-feira (30.4), em Brasília (DF), no encerramento da reunião do Grupo de Trabalho Permanente de Acompanhamento da Operação Hidráulica na Bacia do Rio São Francisco – GTOSF, criado pelo Comitê em 2008. A reunião, na sede da Agência Espacial Brasileira, contou com representantes da ANA, ONS, Chesf, Ibama, Companhia Energética de Minas Gerais – Cemig, secretarias de Meio Ambiente da Bahia, Sergipe e Alagoas, sociedade civil organizada e universidades federais da região.
“Nessa conjuntura há um aspecto fundamental a enfrentar: a responsabilidade quanto aos danos. Se há uma multiplicidade do uso das águas do rio, alguém terá que arcar com os danos aos usuários que forem prejudicados. O Comitê vai insistir nessa questão. Cadastrar todos os usuários prejudicados é uma forma de institucionalizar o problema. Cadastrar para indenizar todos os que sofrerem danos. E que o Ibama faça a avaliação dos danos causados ao ecossistema”, pontuou o presidente do CBHSF.
As estimativas são de que dois trechos principais, no Submédio e Baixo São Francisco, sofrerão as consequências. São 280 quilômetros entre as usinas de Sobradinho e Itaparica, e 179 quilômetros entre a hidrelétrica de Xingó e a foz do rio. As preocupações se relacionam sobretudo com as captações de água para abastecimento público; as captações para projetos de irrigação; a navegação turística e comercial, incluindo o transporte por balsa entre Penedo (AL) e Neópolis (SE), além da pesca. Também se avalia o risco de salinização do sistema de captação de água de Piaçabuçu, município localizado a apenas 12 quilômetros da foz.
Do ponto de vista estratégico, Anivaldo Miranda propõe que o governo repense a postura de reduzir as vazões do rio São Francisco, que embora classificada como medida emergencial, vem se tornando habitual: “Essa prática de reduzir as vazões abaixo do mínimo, que vem acontecendo desde 2001, é danosa e precisa ser revista. A bacia do São Francisco, com um milhão de quilômetros quadrados inseridos no Semiárido, não pode ter esse tratamento”.

Oportunidade perdida

A representante do Ibama na reunião, Veronica Marques Tavares, declarou que a autorização concedida pelo órgão “foi o que o Ibama considerou razoável dentro de uma situação que não é ideal”. A engenheira hidróloga e professora da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Yvonilde Medeiros, que desenvolve estudos para o estabelecimento de uma vazão ambiental no rio São Francisco, externou o seu desapontamento com a escassez de bases e elementos técnicos, por parte do Ibama, para justificar a redução: “Afinal, se trata do órgão que representa um dos principais usuários da água do rio – o meio ambiente da bacia do São Francisco”.
O geólogo e professor da Universidade Federal de Sergipe – UFS, Luiz Carlos Fontes, estudioso da dinâmica do rio São Francisco, lamentou que o Ibama e a ANA tenham atendido ao pleito do setor elétrico para reduzir as vazões, mas criticou sobretudo a relação inadequada que ficou evidenciada no episódio:
“Também sou usuário da energia elétrica, mas não posso deixar de lamentar o domínio quase absoluto desse usuário do rio sobre os usuários menores. Estamos perdendo uma grande oportunidade de mudança, uma oportunidade de estabelecermos uma negociação e um diálogo maior entre os usuários”, desabafou, defendendo enfaticamente o reconhecimento do Comitê do São Francisco como instância relevante no processo decisório.
O dirigente da Sociedade Socioambiental Canoa de Tolda e coordenador da Câmara Consultiva Regional – CCR do CBHSF no Baixo São Francisco, Carlos Eduardo Ribeiro Junior, também questionou a base técnica para a avaliação oficial de que a medida não acarretará danos e defendeu o reconhecimento, pelos entes governamentais envolvidos no processo, do papel institucional do Comitê em relação a conflitos de uso de água na bacia. A esse respeito, propôs a negociação como saída: “Se há conflito de uso, temos que começar a negociar a alocação da água para os diversos usos”, argumentou.

Comunicação com os usuários

Durante a reunião do GTOSF representantes do ONS e da Chesf fizeram exposições técnicas sobre o assunto. O gerente do núcleo Norte-Nordeste do ONS, Giovanni Acioli, classificou a situação atual, do ponto de vista da geração de energia elétrica, como “crítica”, em função das condições hidráulicas adversas, e sustentou que “a decisão de reduzir a vazão é de natureza técnica”.
A gerente da Divisão da Gestão de Recursos Hídricos da Chesf, Sonáli Cavalcanti, expôs os dados do primeiro relatório apresentado à ANA desde que o Ibama autorizou a redução de vazões, resultante de inspeção aérea e terrestre ocorrida em meados de abril. Ela conclamou todos os envolvidos a contribuirem para otimizar o processo de comunicação junto aos usuários – tarefa que, conforme as condições fixadas pelo Ibama e pela Ana para autorizarem a redução, é uma atribuição da Chesf.
Os participantes da reunião sugeriram à Chesf que intensifique as ações de comunicação, fazendo uso, além do correio eletrônico, de meios de comunicação de amplo alcance, a exemplo do rádio e da televisão. O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Pajeú e membro do CBHSF, Elias Silva, apresentou à empresa a proposta de estruturação de uma rede de mobilizadores locais, para difundir as informações sobre a redução de vazões junto aos interessados em toda a bacia.
Participaram da reunião do GTOSF o presidente e a vice-presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda e Avani Torres; Joaquim Gondim, Antonio Augusto de Lima e Ludmila Rodrigues, da ANA; Giovanni Acioli, do ONS; Patrícia Maia e Silva (coordenadora do GTOSF), Sonali Cavalcanti e Thiago Aragão, da Chesf; Veronica Marques Tavares, do Ibama; Renato Junio Constancio, da Cemig; Maria Quitéria Castro, Pedro de Araújo Lessa e José Roberto Lobo, das secretarias de Meio Ambiente da Bahia, Sergipe e Alagoas; Carlos Eduardo Ribeiro Junior, da Canoa de Tolda; Elias Silva, do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Pajeú; Luiz Carlos Fontes (secretário do GTOSF), da UFS e Yvonilde Medeiros, da UFBA.

Para entender

Para entender melhor a situação atual do rio São Francisco, acompanhe abaixo a crolonogia dos fatos recentes, acessando os principais documentos:
8 de março – Reunião entre ONS, ANA, Ibama, Chesf e Ministério do Meio Ambiente avalia versão prévia de nota técnica do ONS sobre situação de armazenamento em Sobradinho.
14 de março – Por meio da comunicação CE PR-82-2013 a Chesf encaminha ao Ibama e à Ana a versão definitiva da Nota Técnica ONS 0030/2013, solicitando autorização especial para reduzir a vazão defluente de Xingó para 1.100 m3/s.
21 de março – Reunião da ANA, ONS, Ibama, Chesf, Aneel, Marinha, Antaq, Ministério dos Transportes, CBHSF, Codevasf e órgãos ambientais da Bahia e Alagoas discute a situação.
28 de março – Ibama emite Parecer 004041/2013 sobre a solicitação da Chesf, considerando possível a redução e atribuindo à ANA a responsabilidade de gerir os conflitos de uso.
1 de abril – Ibama emite a Autorização Especial no 1/2013 para a Chesf reduzir, em caráter emergencial, a vazão do rio São Francisco a partir de Sobradinho, Paulo Afonso e Xingó para 1.100 m3/s.
8 de abril – A ANA emite a Resolução no 442/2013, endossando a redução da vazão.
11 de abril – O Comitê da Bacia do São Francisco emite Nota Pública lamentando a decisão e conclamando os usuários a se mobilizarem.
11 de abril – A Chesf emite comunicado aos demais usuários das águas do rio sobre a redução de vazões.
30 de abril – O Grupo de Trabalho Permanente de Acompanhamento da Operação Hidráulica na Bacia do Rio São Francisco – GTOSF se reúne para discutir a situação.
 
ASCOM – Assessoria de Comunicação do CBHSF