Os membros do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco estiveram reunidos nos últimos dias 12 e 13, no interior de Pernambuco, na cidade de Petrolina, onde aconteceu a XLVIII Plenária Ordinária do colegiado
O encontro, que teve como tema “Atual situação do Sistema Nacional de Recursos Hídricos e os riscos para o CBHSF”, foi realizado no Hotel Petrolina Palace, e contou com a presença dos membros representantes do poder público, usuários e sociedade civil dos estados de Pernambuco, Bahia, Sergipe, Alagoas, Goiás e Minas Gerais, além de representantes do Governo Federal. O Comitê, no último encontro do ano, colocou em discussão a decisão da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) quanto à mudança na metodologia de cobrança pelo uso da água na Bacia do São Francisco.
De acordo com a ANA, a ação, que já aconteceu em outras bacias hidrográficas, visa ajustes na cobrança. A proposta, de acordo com a Resolução nº 227 com base na Resolução nº 124/2019, altera a data da cobrança. Os valores passarão a ser cobrados no ano seguinte. Atualmente, a cobrança é feita com base em um volume estimado e, com a alteração, o pagamento passa a acontecer sobre a real quantidade de água retirada dos rios.
A questão é que o CBHSF entende que, com a alteração, as obras e serviços realizados pelo Comitê podem ser fortemente impactados, considerando que, com a mudança, o Comitê deve ficar mais de um ano sem repasse financeiro. “Desde que soubemos dessa informação na última reunião da Diretoria Colegiada, em Salvador, ficamos muito preocupados. Quero lembrar que durante a pandemia a Agência Nacional de Águas já tinha sinalizado a ideia de suspender a cobrança no sentido de possibilitar uma mudança da metodologia – ao invés de cobrar antes cobraria depois. Mas isso, de fato, não é o problema. O problema é como se implementa uma medida desse tipo. E não se pode desconsiderar as realidades diferentes dos comitês e, além disso, até mesmo a arrecadação atual no São Francisco está abaixo do que a bacia oferece”, afirmou o coordenador da Câmara Consultiva Regional do Baixo São Francisco, Anivaldo Miranda.
O presidente do CBHSF lembrou que com o índice de inadimplência alto, a mudança da metodologia de cobrança pelos recursos hídricos se torna em um perigo real para o funcionamento do Comitê. “No final de outubro soubemos da nova metodologia que a ANA está adotando em outras bacias e da intenção em também adotar na Bacia do São Francisco. Na prática, hoje a cobrança acontece de acordo com a outorga e, ao final do ano, o usuário acessa o sistema e comprova através de seus registros a quantidade de água utilizada. Lembrando que a gente já lida com a questão da inadimplência, entendemos que a decisão da ANA de mudar a metodologia da cobrança vai afetar nosso planejamento”, afirmou, destacando que as metas estipuladas pela ANA exigiram do Comitê maiores investimentos, o que pode deixar o CBH sem recursos em breve. “Além de já termos normas difíceis impostas e mesmo demonstrando nossa capacidade de execução utilizando os recursos em caixa em grandes projetos, nossa entidade delegatária, a Agência Peixe Vivo, alertou que, nesse cenário, nos próximos anos poderemos não dispor de recursos para continuidade das obras. Isso quer dizer que com a mudança da cobrança, o comitê ficará, na prática, cerca de um ano e meio sem dinheiro em caixa”, afirmou.
O presidente disse ainda que um ofício foi encaminhado à ANA que, por sua vez, confirmou a mudança da cobrança na bacia do São Francisco, embora ainda não haja prazo. Por isso uma carta aberta foi produzida manifestando as questões do Comitê do São Francisco. O documento lido pelo vice-presidente Marcus Polignano destaca, principalmente, que a mudança agravaria ainda mais a inadimplência que, de acordo com o documento, já está em um patamar alto, sendo mais de R$ 50 milhões no acumulado de dívidas.
Nesse sentido, na plenária realizada em Salvador no mês de maio foi criado o grupo de trabalho sobre a inadimplência. “Foi extremamente propositivo, e através desse trabalho já foram identificados os 50 maiores devedores, além de também já termos um documento por parte da ANA demonstrando suas ações para resolução do problema. Então, o Comitê mais uma vez sai na frente buscando respostas dos entes responsáveis. Quero destacar que, além disso, o Comitê tem feito esforços para fazer acordos com alguns entes. Já tivemos duas reuniões com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) pontuando a situação dos perímetros irrigados, onde alguns aparecem como devedores significativos e as tratativas tem caminhado de forma positiva. Então, ao Comitê nunca faltou iniciativa”, completou o vice-presidente.
Representando a ANA, Flávia Simões disse que a nova metodologia visa ajustes na cobrança e também pontuou que credita o problema à ordem de conversa. “Acredito que o problema dessa situação se deve a ordem que a gente começou essa conversa, porque em uma reunião com a Agência Peixe Vivo, a ANA abordou esse assunto e poderia ter sido uma reunião com o Comitê. Então, acho injusto falar que a ANA quer inviabilizar o funcionamento do Comitê e em nenhum momento a Agência quer que o Comitê deixe de funcionar. Não se trata de suspender a cobrança, mas sim de ajustar e, na bacia do São Francisco, o ajuste está previsto para 2026 dada a sua complexidade”, afirmou, destacando que a mudança tem sido adotada de forma gradativa. Nas Bacias do Paranaíba, Verde Grande e Grande a metodologia já foi adotada. Na Bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) a medida está em adoção, e em 2025 serão as bacias do rio Doce e do rio Paraíba do Sul.
Aprovado pela plenária, após algumas alterações sugeridas, a carta aberta pontuando a preocupação do CBHSF será publicada e enviada à ANA.
Planejamento do orçamento para 2025
Quanto ao Plano de Execução Orçamentário Anual (POA) 2025, a diretora-geral da Agência Peixe Vivo, Rúbia Mansur, informou que a arrecadação anual na bacia do São Francisco atualmente é de aproximadamente R$ 50 milhões. “Em 2021 iniciamos o ano com R$ 118 milhões em caixa e a tarefa do Comitê e da entidade delegatária era de executar mais, mas deixando em caixa o equivalente a uma arrecadação e meia por segurança. Mas, para atingir as metas, o Comitê e a Agência Peixe Vivo precisaram executar mais e consequentemente o volume em caixa foi reduzindo. Em 2024 nossa execução ficou em R$ 69 milhões e, a partir de 2025, chegaremos ao patamar de uma arrecadação e meia, o que é preocupante porque surge o problema de como executar mais do que tem em caixa. Então, nesse patamar em 2026 não teremos um saldo seguro e agora é preciso fazer uma gestão pensando que não há mais recurso financeiro em caixa”.
A gerente interina de Projetos da APV, Jacqueline Evangelista, explicou que o POA prevê a gestão de recursos hídricos, agenda setorial, apoio ao Comitê e manutenção do Comitê e da Agência Peixe Vivo. Com isso, foram necessários reajustes para garantir um caixa de pelo menos uma arrecadação. “Em novembro realizamos uma reunião conjunta com a Direc e a Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos (CTPPP), quando foram feitos reajustes, e chegamos a uma execução de R$ 88 milhões em 2025, com um saldo de R$ 51 milhões”.
De acordo com Jacqueline, as premissas que nortearam os reajustes consideraram a manutenção dos projetos em andamento, contratação de estudos de enquadramento de corpos hídricos, priorização de ações estruturantes, manutenção de estudos estratégicos, manutenção das ações de saneamento rural, fortalecimento dos programas de produção de água e o fortalecimento de novas parcerias.
Deliberações
Foi aprovado o calendário de atividades do ano de 2025. Em destaque, a eleição e posse dos novos membros do CBHSF, e três reuniões plenárias: em junho, setembro e dezembro.
A plenária de junho deve acontecer nos dias 04 e 05, em Brasília, mesmo local e ocasião da campanha Eu Viro Carranca para Defender o Velho Chico, que por sua vez, acontecerá excepcionalmente apenas na capital brasileira. Todos os anos, desde 2014, a campanha acontece em quatro cidades simultaneamente no dia 03 de junho, Dia Nacional em Defesa do Velho Chico.
A segunda plenária, que deve acontecer em 16 e 17 de setembro, em Belo Horizonte, será para posse dos novos membros do Comitê. O processo eleitoral começa no início de 2025. E a última plenária acontecerá de modo virtual, no dia 11 de dezembro. “Teremos muitas reuniões virtuais visando a contenção de despesas. Então, as Câmaras Consultivas, Câmaras Técnicas, Diretoria Colegiada e grupos de trabalho também adotaram as reuniões virtuais no seu planejamento”, afirmou o presidente do CBHSF, Maciel Oliveira.
Aprovado o calendário, os membros também aprovaram a Deliberação ad referendum 145, que dispõe sobre a doação de bens adquiridos com recursos da cobrança à Secretaria Estadual de Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural do Distrito Federal (Seagri-DF). Os bens, como canos e lonas, entre outros, foram adquiridos pelo Comitê para a revitalização de canais de irrigação na bacia do Rio Preto, afluente do São Francisco. Veja mais sobre a obra aqui. Todas as deliberações foram aprovadas pelo plenário.
Veja mais fotos dos dois dias de Plenária:
Medalha Toinho Pescador
Este ano, mais cinco pessoas foram homenageadas com a Medalha Toinho Pescador, honraria concedida pelo CBHSF a pessoas notáveis que trabalham, desenvolvem ações e empreendem esforços em defesa do Rio São Francisco. Cada Câmara Consultiva Regional (Alto, Médio, Submédio e Baixo), além da Diretoria Executiva do Comitê, indicou um homenageado.
Pela CCR Alto São Francisco foi homenageada Sirléia Drumond. Nascida em Bocaiúva-MG, Sirleia é formada em Geografia e pós-graduada em Educação Ambiental e Gestão Municipal de Recursos Hídricos. Participou da criação do CBHSF e foi secretária da CCR Alto São Francisco. “Foi uma emoção grande quando soube que seria homenageada. Quando comecei essa luta muitos nem tinham nascido. Aqui tem muitos pais e mães desse comitê, mas, garanto para vocês, vó é só eu. Muito obrigada”, agradeceu, cantando um trecho da música “A lenda do arco-íris”.
A CCR Médio homenageou Aristóteles Gomes de Sá. Natural de Paratinga- BA, Toge, como é popularmente conhecido, é um dos fundadores do Comitê do Paramirim e Santo Onofre onde já ocupou os cargos de presidente e vice-presidente. Como vereador, criou o projeto que instituiu na grade escolar do município a disciplina de meio ambiente. “A palavra que define é gratidão por reconhecimento desse trabalho. Quero agradecer pelas ações do Comitê em nosso município e em toda a bacia”, disse, aproveitando para entregar ao presidente do CBHSF a proposta de transformar uma área de pescadores em Paratinga em unidade de preservação ambiental e solicitou apoio do Comitê para revitalização das lagoas.
Já a CCR Submédio prestou homenagem ao indígena Manoel Uílton dos Santos. Da etnia Tuxá, é ex-coordenador da Câmara Consultiva Regional do Submédio São Francisco e, atualmente, é coordenador da Câmara Técnica de Comunidades Tradicionais do CBHSF e Secretário Substituto da Secretaria Nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas – SEART, do Ministério dos Povos Indígenas. “Para uma pessoa que vem de uma aldeia indígena e carrega essa luta pelos povos indígenas e comunidades tradicionais como eu, é uma honra receber essa homenagem. Essa medalha é um reconhecimento a todos e todas que vivem, resistem e contribuem para manter vivo os ecossistemas desse rio. Então, divido essa medalha com todos os povos indígenas e comunidades tradicionais”.
Na CCR Baixo, o homenageado foi Carlos Hermínio de Aguiar. Engenheiro civil, Carlos nasceu em Aracaju e tem 45 anos de atuação na bacia do São Francisco. Funcionário da Codevasf, onde, entre outros, atuou no Programa Água para Todos e fez parte da primeira diretoria do Comitê do São Francisco. “Estou muito feliz e emocionado com essa homenagem, a medalha que leva o nome de Toinho Pescador, alguém que admiro e reconheço sua importância. Essa medalha que recebo é porque sempre acreditei no trabalho e nos colegas”, agradeceu.
E a Diretoria Executiva do CBHSF homenageou Thiago Campos. Engenheiro agrícola e mestre em recursos hídricos, foi, por 12 anos, gerente de projetos da Agência Peixe Vivo. “Fico muito feliz por ter sido indicado com essa honraria do Comitê. Por mais de 12 anos, trabalhei e convivi com membros do Comitê do São Francisco e foi muito mais que um trabalho, foi um aprendizado que me fez crescer como profissional. Também atribuo a minha equipe da Agência Peixe Vivo ter chegado a essa homenagem que, possivelmente, é uma das mais importantes que já recebi e vou guardar para sempre em meu coração”, concluiu.
Cultura e arte servem de resistência na bacia do São Francisco
Membro do Comitê, vindo da região do Pajeú, conhecida como a ‘Rota da Poesia’, Elias Silva lançou durante a plenária o livro de cordel “As Águas. Ações e Poesia”, um apanhado de seus versos dos últimos três anos, criados sempre em situações de vivências com o Comitê do São Francisco.
Distribuído aos membros, segundo Elias, o livro é mais uma contribuição para a bacia do São Francisco, em forma de verso. “A cultura não se distancia da nossa militância pelas águas. Pelo contrário, a militância das águas também é cultura. O rio é feito de água e também de gente”, afirmou Elias. A ideia do cordel, segundo Elias, surgiu na última reunião conjunta entre as CCRs Submédio e Baixo São Francisco, realizada em abril, na cidade de Delmiro Gouveia (AL).
Já no segundo dia de Plenária, os membros do CBHSF assistiram e comentaram o documentário Santino. O filme acompanha a rotina do personagem principal e sua família que vivem na bacia do Rio São Francisco, em Minas Gerais. Ativista na defesa das veredas, Santino une sua espiritualidade ao trabalho de conscientização das novas gerações para a importância de preservar os territórios.
Em cartaz em salas de cinema do país, a produção foi dirigida por Cao Guimarães tendo o compositor e instrumentista Makely Ka na co-direção. Makely esteve na Plenária do CBHSF onde comentou um pouco da experiência no documentário e falou sobre a importância de a produção ser transmitida para os membros do Comitê. “É uma satisfação muito grande ver essa repercussão, ver como o documentário pode tocar as pessoas de uma forma sensível, poética e chamar a atenção para um problema real que temos. Fizemos questão de participar porque esse tipo de iniciativa, do Comitê, é fundamental para criar consciência, para as pessoas entenderem e perceberem que a água é o nosso bem mais precioso. No mundo inteiro vemos iniciativas de privatização desse bem. Aqui, temos água em abundância e pensa que não vai acontecer isso. No entanto, já está acontecendo. É bem provável que tenhamo crises hídricas nos próximos anos, por isso as pessoas precisam entender que as novas gerações, talvez daqui a 20 ou 30 anos, podem não ter água potável. Por isso temos que fazer algo agora”.
O documentário mostra ainda os desafios enfrentados pela família de Santino, desde a luta contra a degradação ambiental até a resistência contra grandes projetos de exploração. O documentário, que já venceu premiações em festivais, segue em cartaz nos cinemas e, em breve, deve ser disponibilizado em plataformas de streaming.
Experiências na bacia do São Francisco
Resultado de uma iniciativa que conta com o apoio de instituições, dentre elas a Fundação Nacional dos Povos Indígenas, associações e comunidades indígenas, a apresentação feita pelo professor Geraldo Silva, do projeto da cadeia produtiva do mel e preservação hidroambiental nas terras indígenas localizadas na Bacia do Rio São Francisco demonstrou suas ações nos estados de Alagoas, Sergipe e Pernambuco. Nesses locais, de acordo com o professor, já foi possível perceber a recuperação ambiental. O trabalho desenvolvido através da apicultura é realizado há 15 anos pela Funai e é desenvolvido em nove terras indígenas.
A segunda experiência apresentada tratou dos resultados da Fiscalização Preventiva Integrada da Bacia do São Francisco. A promotora de justiça Luciana Khoury destacou que o programa, vencedor do Prêmio Innovare 2024, visa melhorar a qualidade na bacia do São Francisco e a vida dos seus povos. “A ideia é de uma ação sistêmica porque tudo impacta a água e é assim que a gente compreende a bacia hidrográfica. Quer dizer, o programa não é uma operação pontual, nós trabalhamos o ano inteiro com fiscalização, diagnóstico e educação ambiental “, afirmou a promotora.
Foram realizadas 75 etapas da FPI nos estados da Bahia (50 etapas), Alagoas (14 etapas), Sergipe (07), Pernambuco (02) e Minas Gerais (02).
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Juciana Cavalcante
*Foto: Emerson Leite