Jackson Lima é um ambientalista que se relaciona com o rio há mais de seis décadas
Texto: Vítor Luz e Fotos: Edson Oliveira
O rio São Francisco conquistou vários defensores e amigos íntimos. Um deles é Antônio Jackson Borges Lima, 71, que atua no Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco há três gestões, o que representa mais de 12 anos de lutas e reivindicações.
O relacionamento do pescador Jackson com o rio São Francisco começou há muito tempo, lá em Pão de Açúcar (AL), no ano de 1967. Desde a sua infância ele já percebia um certo descuido com o Velho Chico. Encontrava latas, garrafas, papel e papelão, o que sempre o incomodou, o levando a catar cada coisa que encontrava pelas margens do rio. “Quando criança nunca estive preocupado com água, com o consumo dela. No passado existia uma preocupação com a tuberculose. Quando um tuberculoso morria, seu colchão era jogado no rio. Mas ninguém nunca ficou prejudicado, as pessoas continuaram vivendo”, afirma o pescador.
Seu Jackson é barranqueiro, nascido em Igreja Nova (AL), situado a 45 km do Velho Chico, e sempre viu o rio encher, entre novembro e abril. Essa espera anual era aguardada com grandes expectativas e enorme alegria. “Sempre ficávamos na expectativa, água é alegria e toda criança adora água. A gente via aquele filetinho de água vindo, parecendo uma mangueira de jardim aberta, depois aquela água ia crescendo e se avolumando. Aí, a gente sabia que o rio estava chegando”, coloca Jackson.
Antônio Jackson Bordes Lima é um dos maiores amigos do rio São Francisco
Cheias
Quando o rio enchia, o então menino Jackson esperava as águas que chegavam até o seu quintal. “Todos os anos quando o rio resolvia me visitar eu aproveitava para nadar e pescar. Quando eu ficava preso em casa (os pais não o deixavam sair, prevendo algum perigo que a cheia podia trazer) ele dizia para mim – você não foi me ver hoje, então resolvi vir a sua casa -’, e foi onde nossa relação se fortaleceu”, relata o ativista.
Os anos passaram e Jackson foi surpreendido com a notícia que portava um câncer e seu médico pediu para que ele se afastasse do sol, o que o distanciaria do rio, da pesca e das suas navegações pelo Velho Chico. Após dois anos de tratamento e distanciamento das águas, ele retornou ao consultório e comunicou sua decisão: “eu fui muito franco com o doutor e o informei que eu tinha duas opções de morte: morrer do coração ou de câncer, então eu escolheria morrer de câncer, pois o rio é muita vida e não aguento viver longe dele. O rio passa em minhas veias, não posso viver sem ele”, destacou.
Metástase do São Francisco
Ao longo de sua trajetória e relacionamento com o rio, Jackson escreveu vários artigos. Um deles, intitulado “Metástase do São Francisco”, versa sobre os problemas ambientais que contribuem para a degradação do Velho Chico.
“A verdadeira metástase do São Francisco foi desencadeada pelo abandono político e até hoje, com exceção de Dom Pedro II, o rio foi abandonado por todos os políticos que já passaram pelo poder. Nós possuímos 12% da água doce do mundo e nossas regiões estão ameaçadas. O que precisamos é de gestão e uma das boas”, lamenta Jackson.
Museu
Foi em 2001, durante uma comemoração dos 500 anos de descoberta do São Francisco, que Jackson decidiu realizar uma exposição com todos as peças que adquiriu ao longo dos anos, pelas margens do Velho Chico. Mais de seis mil pessoas compareceram.
“O sucesso da minha primeira exposição foi tão grande que fiquei assustado e pensei que todo esse material não poderia pertencer unicamente a mim, precisava compartilhar com outras pessoas e tornar tudo isso público”, ressaltou Jackson.
O Museu do São Francisco abriu as portas no dia 4 de outubro de 2001 e de forma itinerante, dentro de um caminhão, ele já foi visitado por mais de 100 mil pessoas. Em sua última expedição, ele esteve na Universidade Federal de Sergipe e recebeu a visita de mais de 12 mil pessoas. As próximas cidades a recebê-lo são Traipu e Arapiraca.
Conhecer o Museu do São Francisco representa uma forte experiência histórica. As pessoas que tem o privilégio de conhecer saem encantadas e muitas vezes chocadas, pois dentre as obras constam troncos sangrando, árvores com machados cravados, esgoto e água suja. “Sempre quando recebo escolas e crianças eu acho um máximo. Elas saem encantadas e surpresas, pois nunca mais conhecerão o Velho Chico como um dia eu conheci. Essa é a missão do rio: levar uma mensagem de salvação e mostrar suas dores e alegrias”, confessa Jackson.
Veja fotos do Museu do São Francisco
Futuro
Quando o assunto é futuro, o ativista não consegue vislumbrá-lo. “Não consigo ver o futuro do rio. Tenho muito medo e receio do futuro. A cada plenária a gente vem repleto de expectativas e ansiedade e sempre nos deparamos com um quadro mais crítico. O leito do São Francisco passa por 57 cidades, atendendo a 1,9 milhão de pessoas e, a 1 km do rio existem pessoas morrendo de sede. Precisamos mudar essa história e que Deus não me permita ver esse meu velho amigo morrer”, lamenta um dos melhores amigos do São Francisco.