Quem adota práticas conservacionistas paga menos. Decisões devem ser aprovadas em outras instâncias para entrar em vigor
Texto e fotos: Andréia Vitório
Quando o assunto é cobrar pelo uso da água de um dos principais rios do Brasil, não à toa chamado de rio da unidade nacional, o caminho passa pela sustentabilidade. Mas, se é consenso a necessidade de preservar o rio São Francisco e criar mecanismos para mantê-lo vivo, há convergências na hora de discutir os valores a serem pagos. Com a proposta de avançar nessas demandas, a Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC) do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) se reuniu nesta segunda-feira, 19 de junho, em Salvador.
Na pauta, a votação da metodologia de cobrança para o setor de irrigação, pequenas centrais hidrelétricas e transposição – essas duas últimas de forma breve, sem grandes discussões. A proposta de reajuste dos preços públicos unitários utilizados para precificar o volume de água captado por usuários de setores como indústria, mineração, saneamento e agricultura também foi apresentada e votada. A maioria aprovou a proposta de reajuste de 20%.
Vale lembrar que as decisões acordadas pela Câmara Técnica de Outorga e Cobrança seguem para a Diretoria Colegiada do Comitê, em seguida para a Câmara Técnica Institucional Legal (CTIL), Plenária do Comitê e, por fim, Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
Quanto vale a água?
O diretor técnico da Associação Executiva de Apoio à Gestão de Bacias Hidrográficas Peixe Vivo (Agência Peixe Vivo), Alberto Simon, defende que os valores praticados, congelados desde 2010, são defasados e não cumprem o papel de dar valor à água, estimular mudanças de comportamentos e arrecadar recursos para a própria bacia.
Foram votadas duas propostas de valores unitários de cobrança para rios de domínio da União. A primeira previa reajuste de 14%; a outra, de 20%. A segunda, apresentada por Simon, saiu vitoriosa e definiu os valores a seguir:
Captação de água (m³) – 0,012
Consumo de água (m³) – 0,024
Lançamento de efluentes (m³) – 0,012
Metodologia de cobrança para irrigação
Durante o encontro, foram apresentadas duas propostas de metodologia de cobrança para o setor de irrigação, responsável por cerca de 70% do que é captado no Velho Chico. Foi mais votada a defendida pela Agência Peixe Vivo. Foram seis votos a um e duas abstenções. “Nós nos propusemos a atualizar essa metodologia e assim foi feito. Com os coeficientes que indicam as boas práticas podemos diferenciar dentro do mesmo setor aqueles bons utilizadores da água e aqueles que não adotam práticas de conservação do recurso. Houve essa evolução”, acredita Simon.
Alguns pontos da proposta:
– O coeficiente que leva em conta as peculiaridades do usuário do meio rural (krural) é igual a 1. Atualmente ele é 0,025. O valor é diferente no caso de aquicultura e dessedentação animal: 0,10.
– Quem utiliza plantio direto ou convencional com práticas conservacionistas de solo (curva de nível, barraginha, tratamento de estradas rurais, entre outros) tem desconto.
– Também paga menos quem monitora variáveis climatológicas e nível de umidade do solo para fins de planejamento e operação do sistema.
Com a finalidade de mensurar a mudança, um exemplo de cálculo foi apresentado: para a prática de cultivo de abóbora irrigada com aspersão convencional, com consumo de água anual de 575.750 m³, sem medição de vazão, é pago anualmente R$ 230,30. A partir do novo PPU aprovado nesta instância a conta muda. Com práticas conservacionistas o valor é de R$ 986,60. Sem conservar, o montante sobe para R$ 1.761,80.
Pedro Lessa, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de Sergipe (SEMARH/SE), é a favor da proposta. “Por meio da cobrança e das bonificações a gente pode incentivar o usuário a utilizar os recursos hídricos de uma forma mais racional”. E, apesar de frisar que os valores praticados estão defasados, reconhece que cultivos como o de arroz, que demanda um volume maior de água, vai sofrer com o impacto.
A voz dos irrigantes
A questão da rizicultura é apenas uma das preocupações de quem defendeu os irrigantes. Membro da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (FAEMG), Ana Paula Bicalho Melo esteve na reunião como representante da Associação da Bacia do São Pedro e apresentou a sugestão de metodologia de cobrança da água a partir dos anseios do setor.
O principal ponto foi o valor do Krural, com sugestão para que ele fosse de 0,45. Entre os argumentos, as diferentes forças que influenciam a agricultura, tornando-a mais vulnerável – clima, presença de pragas e contaminações, tipo de cultura, entre outros. “Existe uma variabilidade muito grande dentro do tema”, frisa Ana Paula.
Sobre o desfecho do encontro, que rejeitou sua proposta, diz: “Eu estou extremamente desapontada. Acho que a gente tinha que ter conversado mais, negociado mais. Nós vamos propor mudanças em todas as outras instâncias que tiver. Eu considero a proposta aprovada inviável. Os descontos propostos não são suficientes. Para funcionar, teria que, no mínimo, ter descontos maiores para quem adotar manejo de irrigação e manejo do solo, já que o custo dessas práticas é alto” declara.
Para Deivid Lucas de Oliveira, da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG) e coordenador da CTOC, o encontro foi produtivo: “conseguimos fechar a metodologia de cobrança, mas existe uma preocupação tanto do setor de indústria quanto do setor de irrigação sobre qual será o impacto, como será a reação dos usuários”.
Ele conta que é a favor da revisão da metodologia e de beneficiar quem faz o uso racional dos recursos: “Do meu ponto de vista, a metodologia vai ser uma das melhores aplicadas no País. Estamos incentivando o usuário a usar menos água. Boa parte das indústrias já tem prática de reutilização no processo produtivo, principalmente as grandes empresas que captam na calha do Rio São Francisco”.
O aumento do PPU, no entanto, não é bem-vindo para a indústria. “Existe o reajuste aqui e a discussão de reajuste automático no Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Então, há a preocupação de termos dois reajustes em um ano”, justifica Oliveira.
Além das instituições já citadas, também estiveram presentes por meio de representantes: Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (AIBA), Associação dos Fruticultores da Adutora da Fonte (AFAF), Associação Comunitária Estiva II, Instituto Ecoengenho e Companhia de Saneamento de Sergipe.
Também aprovaram
No encontro desta segunda-feira ainda foram votadas e aprovadas regras para cobrança no caso de pequenas centrais hidrelétricas (PCH) e transposição. No caso das PCHs, entram na conta o valor anual de cobrança pela geração de energia elétrica, o total de energia efetivamente gerada (MWh) e o valor da tarifa atualizada de referência, definida pela Agência Nacional de Energia Elétrica.
Outra mudança foi a ampliação do prazo para a entidade delegatária das funções apresentar ao CBHSF uma avaliação do instrumento da cobrança pelo uso de recursos hídricos. O horizonte, que era de três anos, muda para cinco por votação na CTOC.