Paracatu, distante cerca de 480 quilômetros de Belo Horizonte, na região Noroeste de Minas, abriga a maior planta de mineração de ouro a céu aberto do mundo. Além de conviver com o temor de um possível rompimento de duas grandes barragens de rejeitos da empresa canadense Kinross – Santo Antônio e Eustáquio -, a população lida com outra grande preocupação: a contaminação da água por arsênio, substância cientificamente comprovada como cancerígena.
Assim como o complexo Paraopeba da Vale S.A., onde houve o rompimento da barragem 1 e das estruturas 4 e 4A, em Brumadinho, na Grande BH, a Mina Morro do Ouro, em operação desde 1980, recebeu renovação de sua licença, por mais 10 anos, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad), há pouco menos de um ano, em março de 2018.
Vários estudos realizados na região indicam que os teores de arsênio em córregos de Paracatu, principalmente o do Córrego Rico, no entorno da planta minerária da Kinross, são acima da média mundial.
Estudos feitos em 2009 na região por Priscila Sueli Rezende constataram que os sedimentos dos córregos e rios de Paracatu estudados apresentaram uma concentração natural média abaixo de 2 miligramas de arsênio por quilo (2 mg.Kg-1), mas após a passagem dos córregos e rios pelo município, a concentração média aumentava para 150 mg.Kg-1 de arsênio, podendo chegar a mais de 1.000 mg.Kg-1.
“As concentrações mais altas foram observadas no ponto de amostragem no Córrego Rico, correspondendo a uma concentração 190 vezes maior que a estipulada pela legislação ambiental e 744 vezes maior que a concentração média natural dos rios e córregos da região, sendo os altos níveis de arsênio associados às fontes naturais da região de Paracatu e às explotações de ouro em seu alto curso”, diz trecho do trabalho de Priscila, intitulado “Avaliação da Distribuição e Mobilidade de Elementos Traço em Sedimentos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco”, em dissertação de mestrado apresentado ao Departamento de Química Analítica do Instituto de Ciências Exatas, da Universidade Federal de Minas Geraise, em 2009.
Na sua conclusão, a então mestranda informou que, “embora tenham sido obtidos teores que excedem os valores estipulados pela legislação, pode-se observar que estes resultados são inferiores aos obtidos em trabalhos anteriores nesta região. Isto se deve provavelmente a ações de monitoramento e de órgãos de fiscalização, demonstrando que o controle apresenta efeitos positivos na redução da poluição ambiental”, sugeria.
Outro artigo aborda o tema: intitulado “Teores de Arsênio em sedimentos superficiais do córrego Rico, Paracatu (MG)”, o estudo é assinado pelos pesquisadores Marcos M. Ferreira, Alana R.C. Sá, Sambasiva R. Patchineelam, todos do Programa de Pós-graduação em Geoquímica Ambiental do Instituto de Química, da Universidade Federal Fluminense (UFF); e Zuleica Castilho, pesquisadora do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) e Wolfgang Calmano, do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade de Tecnologia de Hamburgo. Os autores indicam que os índices do metal pesado encontravam-se acima dos valores de referência para qualidade dos sedimentos e indicavam elevada contaminação.
Esse grupo desenvolveu o estudo em 2012, quando foram feitas coletas de sedimento superficial (até 10cm de profundidade). Em laboratório, as amostras foram secas e desagregadas. No tópico 4, Análises dos Resultados”, o artigo diz que “análises realizadas nas amostras de sedimento superficial apontaram um teor médio de arsênio nos sedimentos do Córrego Rico igual a 3.401 mg.kg-1. Todos os resultados ficaram acima da média mundial de arsênio em sedimentos e da concentração observada no folhelho médio padrão. Assim como apresentaram também, concentrações de arsênio superiores ao nível considerado limiar acima do qual prevê-se um provável efeito adverso à comunidade biológica, referidos pelo órgão de proteção ambiental canadense e também na resolução Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) 344/2004, que dispõe sobre a qualidade de sedimentos dragados.
De acordo com a Cetesb (2001), os valores encontrados classificam a área como sendo contaminada e com potenciais riscos, diretos ou indiretos, à saúde humana, considerado um cenário de exposição genérico. Por fim, os resultados também se mostraram superiores aos reportados por Resende (2009) em seu estudo na mesma região”, diz a análise do artigo.
Prefeitura também contratou estudo
Entre 2011 e 2014, a Prefeitura Municipal de Paracatu procurou o Centro de Tecnologia Mineral, ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (Cetem/MCTI), para coordenar o trabalho “Avaliação da Contaminação Ambiental por Arsênio e Estudo Epidemiológico da Exposição Ambiental Associada em Populações Humanas de Paracatu (MG)”.
Os pesquisadores foram convidados em função de suas especialidades em toxicologia ambiental, epidemiologia, toxicologia clínica, medicina ambiental, química ambiental, geoquímica ambiental, avaliação de riscos à saúde humana e ao meio ambiente, entre outros. O principal objetivo deste projeto foi realizar uma avaliação da contaminação ambiental por arsênio e um estudo epidemiológico da exposição ambiental associada em populações humanas no município.
O estudo foi realizado por um grupo de pesquisadores multidisciplinares, vinculados a seis instituições públicas de pesquisa, sendo uma ligada ao MCT, o Cetem; duas ligadas ao Ministério da Educação, o Programa de Pós-Graduação em Geoquímica Ambiental da Universidade Federal Fluminense (UFF) e o Centro de Desenvolvimento Sustentável, da Universidade de Brasília (UnB); duas ligadas ao Ministério de Saúde, o Instituto Evandro Chagas e a Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz; e as faculdades de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp) e Tecsoma, de Paracatu. Contou ainda com a participação de duas instituições locais: as secretarias municipais de Saúde e de Meio Ambiente.
Curiosamente, na página do próprio Cetem sobre o projeto, a página com os resultados e conclusões sobre o trabalho está vazia e há apenas o recado “Resultados e principais conclusões. Em breve”. A publicação foi feita em abril de 2015.
Procurada pelo BHAZ, a pesquisadora do Cetem, Zuleica Castilho – que participou do estudo para a Prefeitura de Paracatu e assina o artigo publicado em 2012 com outros autores – informou que “foram analisadas água de consumo humano abastecidas na área urbana e as águas superficiais amostradas, coletadas em rios de duas bacias hidrográficas, incluindo o Córrego Rico. Cada um com seus respectivos resultados.”
No documento encaminhado por Zuleica Castilho, por e-mail, ao BHAZ, consta a informação “que os resultados revelaram que as águas de consumo humano na área urbana não estão contaminadas com arsênio, pois resultaram abaixo de 0,5 µg/L, exceto duas amostras, uma resultando em 0,6 µg/L e outra, em 1,8 µg/L. O máximo permitido para consumo humano é de 10 µg/L.” Ela acrescentou ainda a informação de que “os teores de arsênio em águas superficiais e solos se mostraram, via de regra, acima do estipulado pela legislação brasileira para consumo humano, mas abaixo dos teores máximos estipulados pela mesma legislação para uso em dessedentação animal e irrigação”.
Reclamação constante da população de Paracatu diz respeito à poeira no entorno da mineradora Kirnoss e seu impacto na saúde da população. A pesquisadora do Cetem ressaltou que o estudo feito pelo grupo multidisciplinar identificou que “as poeiras respiráveis, estas revelaram arsênio dentro da faixa encontrada em outras áreas urbanas em vários locais do mundo. Entretanto, embora sempre dentro do
limite mencionado, os teores se mostraram mais elevados nas áreas próximas à mineração de ouro e na direção predominante dos ventos”.
Informações que parecem, em princípio, conflitantes e de pouco esclarecimento para a população em geral.
Kinross garante cumprir legislação e que córregos da região sofrem impactos de garimpo antigo
Procurada pelo BHAZ, a Kinross informou que, primeiramente “é importante destacar que o arsênio é parte da composição natural dos minerais encontrados no solo e rochas em certas regiões de Paracatu e da formação geológica do Morro do Ouro, onde opera a Kinross. O arsênio é naturalmente presente no minério e permanece em sua forma mineral original”.
“Os estudos de impacto ambiental apresentados pela Kinross aos órgãos ambientais nas várias etapas de licenciamento ambiental das atividades da empresa (operação, revalidação de licenças e expansões) demonstram que os córregos localizados na região do Morro do Ouro, especialmente os Córregos Rico, Santo Antônio, São Domingos e seus afluentes foram impactados pelas atividades históricas de garimpo, principalmente o garimpo mecanizado da década de 1980, fazendo com que alguns metais estejam presentes nos sedimentos dos cursos d’água”, diz a empresa.
A Kinross garante que todo o processo de mineração no Morro do Ouro é controlado e monitorado, e está em conformidade com a lei, para garantir a qualidade da água, do ar e do solo da área circundante. “É importante notar que a Kinross não utiliza produtos químicos que contenham arsênio, chumbo ou mercúrio, nos seus processos de produção”, ressalta a empresa.
No entanto, no Parecer Único Nº 0107801/2018 do Sistema Integrado de Informação Ambiental (Siam), de 2 de fevereiro de 2018, que sugeriu o deferimento da concessão de licença à mineradora Kinross, no Anexo II, item “Programa de Automonitoramento da Renovação da Licença de Operação da Kinross Brasil Mineração S/A”, no quesito monitoramento de águas superficiais e subterrâneas, está expressamente declarado o parâmetro de medição da presença de arsênio total e solúvel, bem como outros metais pesados, como mercúrio e chumbo.
O documento Parecer Único do Siam é onde constam informações detalhadas de caracterização da mina e de todos os processos técnicos da empresa, corroborados por especialistas da própria Kinross e empresas especializadas na área ambiental contratados por ela para validar os dados junto aos órgãos ambientais. Constam também do documento todas as obrigações da empresa, com 28 condicionantes estabelecidas pelos órgãos ambientais mineiros.
Segundo a empresa, a Mina Morro do Ouro tem diversos pontos de monitoramento dentro e fora da operação e os resultados são apresentados regularmente ao órgão ambiental. “O monitoramento regular da água imediatamente a jusante as barragens mostra que os níveis de arsênio estão abaixo do limite ambiental”, diz a Kinross.
Procurado pelo BHAZ, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio da Promotoria de Meio Ambiente de Paracatu, informou que em 19 de dezembro de 2016 foi instaurado inquérito civil a fim de acompanhar a fiscalização da segurança das barragens de rejeitos provenientes da exploração minerária realizada pela Kinross Brasil Mineração. Nesse procedimento, periodicamente são requisitadas informações aos órgãos responsáveis pela fiscalização e à Kinross Brasil Mineração, sendo importante mencionar que na última inspeção realizada pelo Departamento Nacional de Pesquisas Minerais (DNPM) foi atestada a estabilidade das barragens.
“Considerando que o rompimento das barragens da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, gerou enorme repercussão em Paracatu e que existem diversas notícias falsas sendo disseminadas, foi recomendado ao prefeito de Paracatu e à Kinross Brasil Mineração que divulguem informações atualizadas sobre as condições de segurança das barragens no município nos respectivos sites. Essas informações também podem ser consultadas nos sites da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM). Além disso, foram requisitadas novas inspeções aos órgãos ambientais para intensificar as ações fiscalizatórias”, informou o MPMG.
“Medo é sempre presente”, diz moradora de Paracatu
De acordo com a pedagoga Solange Cristina Gonçalves, de 54 anos, nascida e criada em Paracatu, na região Noroeste de Minas Gerais, onde está localizada a maior lavra de ouro a céu aberto do mundo, o medo em relação a um possível acidente com a mineração de ouro sempre rondou os moradores da cidade. Ela mora no Centro da cidade, e, segundo seus cálculos, a Mina Morro do Ouro está a menos de um quilômetro do núcleo urbano.
“O medo é sempre presente, já que a mina é bem próxima da cidade. Quando tem detonação de pedra lá, treme tudo aqui. Mediante a outros acontecimentos, como esse de Brumadinho, a gente não deixa de ter medo. Sempre há debates e demandas sobre isso aqui, e a prefeitura sempre diz que está tudo dentro da normalidade, que estão acompanhando. Mas a gente se pergunta: “Se a barragem lá em Brumadinho era segura também, porque aconteceu isso?”, indaga.
Sobre as suspeitas de contaminação da água por metais pesados, como arsênio, a pedagoga diz que o assunto,vira e mexe, ronda a cidade, mas que ela nunca fez um exame de sangue ou urina para verificar se ela tinha alguma contaminação no corpo. “Eu tenho um problema de saúde, uma alergia, que volta e meia aparece. São erupções no braço direito, como um sarampo. E também a gente tem medo do alto índice de poluição de metal pesado no ar que a gente respira. Mas nenhum médico nunca me falou dessa possível relação entre o que eu sinto e essa situação da poluição daqui”, acrescenta.
A respeito da poluição atmosférica na cidade, a empresa enviou ao BHAZ a informação de que “a presença da Kinross na cidade não tornou o ar poluído nem contaminado”.
“Ao contrário, o índice de concentração de particulados no ar de Paracatu está em conformidade com os padrões estabelecidos pela legislação brasileira. A Kinross monitora a qualidade do ar com sistemas precisos e modernos. A empresa instalou estações de monitoramento em tempo real em diferentes localidades nas proximidades da mina e da cidade de Paracatu. Os equipamentos medem a concentração de poeira total em suspensão, partículas inaláveis, ou seja, menores que 10 µm e partículas respiráveis, menores que 2,5 µm no ar, além de parâmetros meteorológicos como a direção e velocidade dos ventos. Os resultados destes monitoramentos demonstram que as concentrações de particulados se encontram em conformidade com os padrões estabelecidos pela legislação brasileira”, diz a nota.
A mina Morro do Ouro
A Kinross opera a área da Mina Morro do Ouro em Paracatu desde 2005, numa área de aproximadamente 650 hectares. Anteriormente, a área era explorada pela Rio Paracatu Mineração, desde o início da década de 1970. Na planta minerária, há concessão de lavra de ouro (e prata como subproduto). Na estrutura da mineradora, o material estéril gerado é depositado em seis pilhas. Documento apresentado pela Kinross à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) de Minas Gerais, durante o processo para obtenção da nova licença de operação, em março de 2018, informa que a produção total de estéril estimada para o final da vida útil da mina é de cerca de 600 milhões de toneladas.
Em resposta a questionamentos do BHAZ, a Kinross informou que a Mina do Ouro está localizada fora do perímetro urbano de Paracatu. “Importante ressaltar que as barragens da empresa não estão voltadas para a cidade”, diz, em nota.
As barragens
Ambas as barragens são classe III, segundo a classificação da deliberação normativa do Conselho Estadual de Política Ambietnal (DN/Copam) 87/2005.
Barragem Santo Antônio
A barragem de rejeito Santo Antônio abrange uma área de aproximadamente 950 ha e está localizada ao norte da cava e da planta de beneficiamento. Os rejeitos foram depositados de montante para jusante, o que resultou na formação de uma praia de rejeitos a montante e acumulação de água junto ao maciço principal. O material usado no alteamento é silteargiloso, retirado das áreas de empréstimo a jusante da barragem. Até o oitavo alteamento, a barragem foi alteada utilizando o método jusante, mas a partir do 9° alteamento, a barragem foi alteada com o método de linha de centro modificada. No vigésimo alteamento a barragem atingiu sua cota de crista final de 676 meetros e a deposição de rejeitos cessou em agosto de 2015 com uma capacidade de armazenamento total de 494 milhões de toneladas. Desde então, os rejeitos hoje são direcionados à baragem Eustáquio. Quando o circuito de bombeamento de rejeitos da Planta I para a Barragem Eustáquio necessita passar por manutenção, a Barragem Santo Antônio recebe pequenas quantidades de rejeitos da Planta I. Esses eventos ocorrem numa frequência muito baixa e não trazem prejuízo para o reservatório
Barragem Eustáquio
A barragem de rejeitos Eustáquio abrange atualmente uma área aproximada de 480,9 ha e está localizada a noroeste da mina a céu aberto e oeste da barragem Santo Antônio. Os alteamentos iniciais do maciço principal foram realizados utilizando o método de jusante, embora estudos estejam sendo feitos para avaliar a possibilidade dos próximos alteamentos serem realizados pelo método de Linha de Centro Modificada. A primeira etapa do maciço principal foi finalizada em 2010, iniciando a descarga de rejeitos em abril de 2012. Atualmente, a barragem Eustáquio encontra-se no seu sexto alteamento, na cota 699 metros, tendo a capacidade de armazenar 834,1 milhões de toneladas de rejeitos. A água efluente do dreno de fundação passa por um sistema de tratamento passivo instalado a jusante do maciço principal, semelhante ao sistema da barragem Santo Antônio. A empresa realiza o monitoramento da água do Córrego Eustáquio regularmente.
De acordo com a documentação do Siam/Semad sobre o licenciamento da Kinross concedido em março de 2018, a empresa tem outorga para captar e/ou rebaixar o lençol freático – uma prática de empresas mineradoras durante o processo exploratório de minerais – dos córregos Eustáquio, Santo Antônio, São Domingos, Ribeirão São Pedro (Córrego bandeirinha), Ribeirão Santa Rita, e córregos Rico, Cigano e Rapadura.
Segurança das estruturas
De acordo com a Kinross, as duas barragens existentes foram projetadas, construídas e monitoradas seguindo as melhores práticas internacionais por equipes especializadas. A barragem Santo Antônio foi a primeira a ser construída, em 1986, e não recebe rejeitos desde 2015. A barragem Eustáquio é responsável atualmente por receber os rejeitos da operação da empresa. As informações também estão disponíveis no sistema integrado de barragem de mineração da Agência Nacional de Mineração (ANM).
Suas capacidades são:
-Barragem Santo Antonio: 483 milhões de m3, sendo 399 milhões de m³ utilizados;
-Barragem Eustáquio: 750 milhões de m3, sendo 148 milhões de m³ utilizados
Segundo a Kinross Brasil Mineração, a empresa mantém uma série de controles que se iniciam quando da concepção do projeto das barragens. “Os projetos são realizados por especialistas nacionais e internacionais e adotam as melhores práticas de engenharia, de acordo com a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e o órgão internacional ICOLD (Comitê Internacional de Grandes Barragens). Visitas periódicas são conduzidas pelos projetistas da barragem e geotécnicos visando avaliar a obra do barramento e emitir relatórios da situação. Além disto, são conduzidas duas auditorias anuais de segurança de barragem e também é realizado um workshop internacional com consultores independentes para discutir temas relacionados às barragens. As inspeções das estruturas são feitas por uma equipe treinada e especializada seguindo procedimentos estabelecidos pelas empresas de engenharia responsáveis pelos projetos das estruturas e em conformidade com a legislação. São feitas inspeções a cada 15 dias em um período normal de pouca chuva – de março a final de outubro. Durante o período chuvoso, a equipe fica mobilizada para inspeções diárias ou a cada dois dias. Importante ressaltar que todos esses controles são adotados desde o início da construção das estruturas”, ressalta a empresa.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) confirmou, por meio de nota, que a Licença de Operação foi concedida durante a 22ª Reunião Extraordinária da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), realizada em 12 de março de 2018. “A licença tem validade de 10 anos, com vencimento em 14 de março de 2028.”
Procurado pelo BHAZ, o secretário Municipal de Meio Ambiente de Paracatu, Igor Pimentel, não retornou às ligações, tampouco ao e-mail com vários questionamentos sobre o monitoramento do município às questões que envolvem as possíveis poluições atmosférica e hídrica da cidade.
Sistema de alerta à comunidade
Questionada sobre um sistema de alarme para avisar qualquer problema nas suas estruturas, a Kinross informou ter procedimento de comunicação focado nas lideranças das comunidades e o contato é estabelecido por meio telefônico e/ou pessoal. “Também tem carros equipados com sirene, giroflex e alto-falante, além de telefones satelitais instalados nas comunidades e sirenes instaladas na barragem”.
“Em novembro de 2016, a Kinross realizou, em parceria com a Defesa Civil municipal, o Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar, treinamentos com comunidades vizinhas à barragem. A ação, que integra o plano de emergência da Kinross, visou repassar a esse público informações sobre como proceder em situações de emergência. O próximo simulado será realizado no primeiro semestre de 2019”, diz.
Mercúrio na água
Para Antônio Eustáquio Vieira, presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Paracatu, os rejeitos de mercúrio deixados pelo garimpo clandestino que existiu na região no fim das décadas de 1970 e início de 1980, são mais preocupantes, na sua opinião. “Há quase uma tonelada de mercúrio depositada lá. E não há tecnologia para eliminar o mercúrio dessa área. Sobre a questão do arsênio e outros materiais pesados na água e no ar, há muita gente que faz terrorismo com a população, possivelmente com algum interesse, não sei. Já atuei em diversos órgão ligados à questão do meio ambiente nessa região, por mais de 30 anos. E, por isso, acredito que só podemos falar de algo, sem ter embasamento muito técnico, se pudermos contribuir com algo. Por isso, digo que o único responsável pelo que está ocorrendo aqui é o homem. Com relação à mineradora Kinross, ela tem duas barragens, que somadas suas capacidades, chegam a quase 1 bilhão de metros cúbicos de rejeitos. Uma está sendo descomissionada e a outra vem recebendo os rejeitos”, diz Vieira.
Além de presidir o Comitê de Bacia do Paracatu, Vieira preside a organização não-governamental Movimento Verde Paracatu, entidade ambientalista criada há 31 anos. Um dos projetos do movimento é financiado pela Kinross, e consiste na proteção e cercamento de nascentes. “Já protegemos e recuperarmos mais de 2 mil hectares, em 130 quilômetros de extensão, atendendo a mais de 20 produtores rurais da região. Fazemos o monitoramento dessas nascentes”, comenta Antônio.
Sobre problemas de abastecimento de água sofridos em Paracatu, Vieira informou que um atlas da Agência Nacional de Águas (ANA) mostrou que a cidade corria o risco de ter um colapso e que eram necessários investimentos para melhorar os sistemas de captação e distribuição de água. “Como não houve acompanhamento da concessionária de água, ficamos sem água. O Ribeirão Santa Isabel, de onde é captada a água para abastecimento de Paracatu, secou e ficamos sendo abastecidos por poços artesianos e caminhões-pipa. Foi um caos. Tínhamos apenas 20% de abastecimento garantidos pelo ribeirão.”
Antônio Eustáquio foi secretário Municipal de Meio Ambiente em Paracatu, de 1997 a 2000. “À frente da secretaria, fizemos muito esforço para retirar o esgoto a céu aberto do Córrego Rico. Um dos processos necessários para que o mercúrio libere o metil-mercúrio, que é altamente tóxico, é necessária a presença de matéria orgânica e água, dois itens existentes na região. Na época, conseguimos trazer emissários de esgoto e construir a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) e tirar quase a totalidade do esgoto da cidade. Sobre a recuperação da bacia do Paracatu, que depende da recuperação da bacia do São Francisco, a chuva não é suficiente. O cerrado está sendo dizimado pelo desmatamento e é preciso ter em mente que para ter água é preciso ter floresta. Sem esse equilíbrio ecológico não é possível avançar”, comenta.
Rodízio de água
Em 2017, a cidade de Paracatu precisou fazer rodízio de água. Procurada, a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) informou que, “entre setembro e novembro de 2017, foi necessário estabelecer o sistema de rodízio, como medida contingencial, devido aos longos períodos de estiagem e consequente diminuição do nível do Ribeirão Santa Isabel, que prejudicaram o fornecimento de água na cidade”.
“Para garantir o abastecimento das residências, a Copasa realizou manobras operacionais, além de utilizar caminhões pipa e poços tubulares profundos para complementar a vazão da Estação de Tratamento de Água Santa Isabel. E informa que o abastecimento em Paracatu está sendo realizado normalmente.”
A importância do ‘filho’ do Velho Chico
O Rio Paracatu corresponde a 17,64% do território da Bacia do Rio São Francisco e abrange 16 municípios: Bonfinópolis de Minas, Brasilândia de Minas, Buritizeiro, Cabeceira Grande, Dom Bosco, Guarda-Mor, João Pinheiro, Lagamar, Lagoa Grande, Natalândia, Paracatu, Patos de Minas, Presidente Olegário, Santa Fé de Minas, Unaí e Vazante. Segundo o Censo do IBGE/2010, vivem na bacia do Paracatu cerca de 280,7 mil habitantes.
*Fonte: Bhaz